O último ato do Homem das Mil Máscaras


O teatro estava lotado, mas não era à toa. O rapaz era um prodígio. Daqueles que fazia com que qualquer um pudesse dar uma de crítico dizendo "ele tem talento!" sem medo de errar. Ainda assim, anunciara que aquela seria a sua última apresentação. Claro, poucos levaram isso a sério. Afinal, tantos artistas anunciam uma última aparição antes de voltar alguns anos depois e além disso ele era tão novo... ninguém duvidava que seria uma pena se ele resolvesse realmente abandonar os palcos assim.

O ator esbanjava talento em sua suposta última peça, uma obra chamada "O Homem das Mil Máscaras", um monólogo que ainda por cima era escrito e dirigido por ele mesmo! Cada ato da peça conduzia a uma face do ser humano - como explicava o prospecto - e a platéia passeava extasiada por tantas variações de suas próprias personalidades que reconheciam ali encenadas. Uma obra que já nascera clássica.

Os atos se seguiam: o Engraçado, o Louco, o Bobo, o Falso, o Trabalhador, o Entristecido, o Maldito, o Encolerizado, o Amante. Eram atos curtos e fulminantes. Em cada um, o ator usara máscaras ou maquiagens bem caricatas para representar o personagem que queria. Só faltava mais um; no prospecto lia-se "o homem último". Isso não dizia tanto quanto os nomes dos atos anteriores e a platéia se remexia em polvorosa ante a proximidade do tal último ato. E as cortinas se abriram... para a surpresa de todos, o rapaz apareceu sem máscaras:

- Boa noite, senhoras e senhores. Espero que estejam confortáveis em seus assentos. Peço perdão se os fiz esperar: eis-me aqui, o homem último.

"No homem último, não se permitem máscaras, pois todas elas caíram. O homem último não esconde suas dores, suas alegrias ou sua indiferença atrás de rostos falsos. O homem último é o mais humano dos homens e contudo conseguiu superar tudo que o liga à humanidade.

Pois eis-me aqui, senhores: sou eu o homem último! Fui eu quem restou de todos que eu tinha ao meu lado. Envergonho-me de dizer que nada foi tirado de mim: eu que arranquei tudo e joguei fora. Eu representei e esqueci de sair do papel depois. Faz muito tempo que não sou eu. Nem sei se ainda posso ser. Sei que sou o homem último, mas ele não sou eu.

O homem último se vê no alto de uma montanha de corpos que ele escalou con sapatos de sola de ferro, sem piedade. Ele acreditava piamente que precisava chegar ao topo e agora que lá está, ele contempla estarrecido uma paisagem doente, algo muito distante da Canaã de seus sonhos. O homem último se pergunta se de fato ele sonhou e sequer consegue chorar pois seu coração está seco.

O homem último tem poder, dinheiro e glória. Mas senteque nenhum dos três lhe pertence porque não foram por ele conquistados e sim pelos corpos da montanha. Ao homem último só restou o medo de sua própria ultimidade. O homem último teme a solidão mais que qualquer coisa e no entanto ela é sua única companhia, além da sombra e do escárnio da morte.

E é a sombra da morte que o homem último abraça nesta noite, sendo este seu último ato. O homem último se entrega a sua sombra derradeira no palco, a única casa que lhe restou dos muitos lares que destruiu. Orai por ele em seu leito de morte".

Abriu trêmulo um vidro que puxou de dentro do paletó e bebeu seu conteúdo. Caiu no chão em um acesso de tremores. A platéia prorrompeu em aplausos. E esperaram. E esperaram. E esperaram. Dez minutos depois, alguém fechou as cortinas.


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Desculpem mesmo pela demora para postar, estou péssimo com prazos ultimamente! Abraços a todos =D Fóssil.

17 fios pro Casulo:

Alanna 2 de abril de 2009 às 12:09  

morreu. T.T

enquanto eu lia o texto pensei: "poxa... eu queria ter escrito isso..."
não que eu tenha ficado com inveja, sempre soube que vc era um talento ;), mas é só porque no final tudo o que resta é o que se é, sem sóis, sem sombras, sem montanhas, sem máscaras. orgulho de ti por ter dito algo que muitas vezes a gente não quer reconhecer e aceitar. a gente anda, anda e lá na frente descobre que não somos mais quem éramos. já sabíamos disso, mas por alguma razão não acreditávamos. gostei mesmo.
mas é claro que vc matou o cara. ¬.¬
pelo menos foi uma morte e tanto. aplausos. cortina fechando. faz muito sentido. um ator terminar a vida (sua própria peça de teatro) com as cortinas se fechando. adorei a metáfora.

^.^
talvez agora ele possa recomeçar né?

Juliana 3 de abril de 2009 às 04:08  

O homem último, o homem único.

(Tá tudo tão mais intenso, Beto, tanto aqui quanto na Telha)

Márcia, vulgo Feto 4 de abril de 2009 às 15:47  

Me fez parar e pensar. nada melhor pra um texto do que fazer refletir, mexer com nossas cabeças acomodadas a rotina. gostei demais fóssil, so pelo fato de usar o teatro e a encenação como veículos ja me fascinou! bjao

Márcia, vulgo Feto 4 de abril de 2009 às 16:19  

Ah é bom lembrar pessoas...dos editoriais aqui ao lado. Tb peço desculpas pq demorei e passei do meun prazo tb hehe.
=P

Márcia, vulgo Feto 4 de abril de 2009 às 16:19  

Ah é bom lembrar pessoas...dos editoriais aqui ao lado. Tb peço desculpas pq demorei e passei do meun prazo tb hehe.
=P

Fóssil 4 de abril de 2009 às 20:31  

AAAAAAAAAH! Tu fez o meu editorial! Droga, agora não tenho mais um pronto pra próxima!

Alanna, também tenho essa esperança... Obrigado a todas pelos comentários ^^

Thais 5 de abril de 2009 às 07:34  

Não há como escapar dos personagens. Todos pedem o tempo todo que mostremos uma máscara e, ainda assim, todos aplaudirão quando ela cair. Mas penso que serão mais aplausos de piedade do que de aclamação.

No fim, quando todas as máscaras cairem, o que restará de cada um de nós?

Adorei o texto, parabéns! =)

Márcia, vulgo Feto 5 de abril de 2009 às 14:47  

o que fossil? tu ia escrever sobre fazer nada tb? shuahsuhausa. se lascou shuahsa. bjao

Caio Carvalho 6 de abril de 2009 às 06:47  
Este comentário foi removido pelo autor.
Caio Carvalho 6 de abril de 2009 às 06:48  

Caralho, perfeito. Claro, vc continuou com sua mania de matar alguém no final...Mas, funcionou. Ok, às vezes nós usamos esse artifício porque não há outro melhor - às vezes. Pode ser apelativo, pode. Mas, de novo o "mas", funcionou. Isso mesmo, funcionou. Será que vai sempre funcionar matar alguém no final? Não, pensando melhor. Minha sugestão? Faça disso uma peça. Faça o texto das outras faces, para o monólogo ganhar peso. Garanto: será uma peça de conteúdo incrível. E o final? Ah, o final! Com aquela fala e o ator certo, ficará um desfecho impecável. Claro, o ator não se suicidará de verdade (se ele quiser, ok, mas que não venham culpar o roteirista), usará de efeitos que simulem uma auto-aniquilação. Só restará ele deitado no chão, com o sangue escorrendo. A platéia aplaude. As cortinas fecham. As luzes não se acendem. Estranheza. Alguém grita lá de trás do palco. "Caralho, ele morreu!". Rebuliço. As luzes se acendem. Ele aparece e desfaz a brincadeira. Tarde demais: alguém morre de susto. Perdão, não me contive. Viu?
Obs: mas é sério, faça uma peça desse seu texto.

Arnaldo Vieira 6 de abril de 2009 às 11:56  

Adorei o texto.
Juliana tá certa. Os textos estão mais intensos. Caio tá certo e me faz querer nunca ser um personagem teu, ao menos não o principal ou o último. Ser uma máscara já tá bom. =P

Adoraria ver uma peça!
Seria interessante se houvesse nada atrás da máscara-rosto? Se cada máscara leva um pouco de si e no final resta o nada? Talvez.
Seria interessante se o preço a pagar pela ultimidade fosse continuar vivo? Se não houvesse refúgio pra essa ultimidade? Talvez.
Mas a história não é minha e não quero me tornar "persona non grata" na história alheia..rsrsrs
Muito bom!

Fóssil 6 de abril de 2009 às 18:40  

" Claro, o ator não se suicidará de verdade (se ele quiser, ok, mas que não venham culpar o roteirista)". Morri de rir disso! XD Sabem que eu nem tinha reparado eu estava matando alguém de novo? Acho que estou desenvolvendo uma nova personalidade meio psicopata, sei lá... mas estou com crédito, fazia tempo que eu não matava ninguém =)

Eu também, confesso, adoraria ver uma peça xD Mas não sei se seria eu a pessoa certa para escrevê-la. hehe

Obrigado a todos, mais uma vez!

Caio Carvalho 7 de abril de 2009 às 07:41  

Vai à merda! XP
Escreve e vê como fica, ué!

angela 7 de abril de 2009 às 17:34  

Dramático, reflexivo, com morte no final, um autêntico texto estilo Carlos!
Adorei!

Ana Áurea 8 de abril de 2009 às 20:09  

*Aplausos* só consigo fazer isso.

Paulo César di Linharez 9 de abril de 2009 às 21:46  

Gosto do jeito como tu escreve. Muito legal!
Então, sobre o comentário no meu blog, muito obrigado! Pra mim que escrevo poesia sem aparente veia profunda aquilo foi um grande incentivo!

Abração

Gabriella Barbosa 30 de dezembro de 2009 às 11:33  

Q saudade desses personagens emos q sempre morrem no final,hahahha. Mto bom, fiquei pensando: o q ele fez? Ele trapaceou, roubou o papel dos atores? Fez intriga p conseguir papéis?Esse cara ñ vale nada!
Fiquei indignada e c pena no final,hahah