Diálogo - Parte 2 (Final)

Obrigado pela paciência, aqui está a parte dois do miniconto. Eu resumi um bocado pra caber em dois posts sem ficar muito chato, mas creio que não houve prejuízos. Eu ia falar sobre o texto, mas é melhor não me alongar. Eis a parte dois:


- Sabe, existem muitos como você por aí. Entram no quarto com a faca da mãe em punho e rasgam os pulsos, lamentando por serem tragicamente incompreendidos pelo mundo. Ou se afogam em drogas – riu, um riso tão frio que até me assustou – E ainda acham que o que fazem exige muita coragem da parte deles. Pois sim! Precisam é ser muito egoístas para fazê-las!
- Quem você pensa que é pra julgar alguém? Aliás, é fácil julgar de fora...
- Eu penso que sou alguém esperto o suficiente pra ficar de fora, panaca. Esses caras são fáceis de ler. Tem aqueles que ainda dizem que se drogam por causa da sua ideologia né? Porque estão desafiando o sistema! Deus os abençoe. – acrescentou, sempre irônico - Acham que são espertos, mas são ingênuos o suficiente pra não enxergarem que são eles que alimentam o sistema.
Gargalhou. Os piores pensamentos já haviam passado pela minha cabeça e eu estava a ponto de fazer uma loucura. Mas ele, é claro, ainda não tinha cessado fogo:
- E você? Já fuma o seu baseado?
- Eu?! Ficou maluco?!
- Não sei, você também é desses que acham que desafiam o sistema, que vão fazer uma revolução. Que monte de bosta! E ainda anda por aí com uma camisa de Che Guevara... Se ele soubesse o tipo de gente que diz ter herdado seus ideais...
- Que tipo de gente? – desafiei
Ele se calou de repente. Estava escuro, mas eu poderia jurar que me fitava atentamente.
- Esse tipo. Um covarde, um merda. Fica pregando a revolução, mas não tem coragem de enfrentar nem a si próprio.
- Ah, cala a boca.
- É muito fácil, cara. Sair por aí sentindo pena dos pobres que tu olha do lado de dentro do vidro fume do carro do teu pai. E o que tu faz por eles, me diz?
- Cala a boca.
- Tu acha mesmo que tu vai mudar o mundo? Que vai fazer a diferença? QUE DIFERENÇA, SEU IMBECIL? Nasceu aquele bebê lindo, orgulho da mãe. Cresceu ótimo aluno, sempre com um boletim exemplar na escola. Aí ele sai do colégio e vai fazer um curso bem tradicional na faculdade. Se Deus quiser, vai ser um jurista ou até um doutor! Que orgulho, um médico na família.
- Cala a boca!
- ... e ganhar rios de dinheiro, esquecer quem um dia lhe ajudou e terminar seus dias atrás de uma mesa escritório. Que diferença, hein? Isso sim que eu chamo de revolução! Uma vida brilhante...
- Cala a boca! – que droga, meus olhos começavam a ficar marejados.
- E, adulto, vai ser corrompido do mesmo jeito que todos antes de ti, os mesmos que hoje condena. E vai dar risada daquilo que chamará de “euforia adolescente”.
- Cala a boca!
- E vai olhar no espelho e se achar bem-sucedido. Cercar-se de ouro de tolo. Vai morrer tranqüilo porque alcançou tudo aquilo que desejava, tudo com o que sempre sonhou. Aliás, uma vida inteira de tranqüilidade, longe daqueles sonhos de levante armado contra a burguesia. Vai casar, ter filhos e censurar qualquer “barulho” ou “baderna”... e vai infectar a tua prole com o mesmo germe da comodidade pra que eles continuem com o grande projeto da raça humana! Não é uma beleza?
- Cala a boca, cala a boca, CALA A BOCA!
A luz do quarto acendeu, de repente. Da porta, minha mãe me olhava assustada:
- Filho, com quem você estava falando?
Meu olhar correu rapidamente pelo teto, antes que se detivesse na minha mãe eu respondesse:
- Ninguém, mãe. Foi só um pesadelo.
- Ah...certo. – o tom de voz dela não parecia convencido – Tenta dormir agora, ta bom, filho?
Enrolei-me nos lençóis. Minha mãe ia fechando a porta mas tornou a escancará-la:
- Escuta, filhote, eu estava pensando... que tal amanhã depois da escola nós darmos uma passada no shopping? Lá quem sabe podemos comprar alguma coisa pra você...uma roupa nova ou outra coisa que você esteja querendo. Não é uma boa idéia?
Assenti. Ela sorriu e disse “então boa noite”. A luz apagou de novo e a porta se fechou. No escuro, ouvi risadas abafadas vindo de algum lugar acima de mim.

5 fios pro Casulo:

Ana Áurea 23 de março de 2008 às 16:40  

Acho bom tratar essa esquizofrênia.

Anônimo 2 de abril de 2008 às 12:43  

que saudade de ler teus textos, carlos! :)

Fóssil 2 de abril de 2008 às 21:41  

E eu tô com saudades de corrigir os teus =D

Não disse que tu me superarava? besta! ^^

Unknown 6 de abril de 2008 às 09:09  

me arrepiei....
textos, filmes q falam sobre esse tema são sempre os melhores!!
eu gosto!!^^

Anônimo 13 de abril de 2008 às 18:07  

Lembrei de Clube da Luta.
Pq será q a consciência é sempre irônica?
aiai...

Claravelha