
Escurecera, mas não fazia diferença porque antes já não conseguia ver o fim da estrada. Ela apenas estava nela e seguia andando. Andara por horas e não tinha mais certeza de que porque estava ali ou para onde ia, e o lenço rendado que usava pra enxugar o suor estava empapado. Não havia ninguém para pedir informações. Mas e daí? Ela não sabia aonde ia. Estava pensando sandices... Era a noite escura, que ficava mais escura, rapidamente e aos poucos. Ouviu uma voz resmungando e sentiu medo junto com uma curiosidade infantil.
Era um homem numa escada americana daquelas em V. Era uma escada alta e ele soprava num cano muito longo, tanto que ela nem podia ver o final. O cano apontava pro céu e a cada vez que ele soprava, fazendo um barulho engraçado, a noite ficava mais escura – ou assim parecia à moça. Apesar da cara de rabugento do homem, ela se aproximou:
- O que o senhor está fazendo?
- Estou apagando as estrelas – grunhiu.
A resposta espantou-a, mas lembrou-se da sensação que teve de que os sopros dele deixavam a noite mais escura. Ergueu a cabeça e comprovou que os pontinhos lá em cima se apagavam a cada sopro.
- Mas por que o senhor quer apagar as estrelas?
- Elas me incomodam – respondeu, impaciente – A claridade delas, quero dizer. Não me deixam dormir em paz.
- As estrelas clareiam a noite! Elas nos guiam!
- Clareiam demais. E se você precisa de guia, arranje uma bússola.
- E você quer apagar todas?
- Evidentemente! Venho desde o começo da estrada até aqui e todas as noites monto acampamento. Eu praticamente não tenho descansado. Trabalho muito pelo bem de todos.
- De todos? Como assim? Quem lhe deu esse direito?
- Minha filha, sou um homem de negócios! Tenho dinheiro e tenho sono e meu sono vale ouro. Isso me deu o direito. Então pare de me perturbar e deixe-me trabalhar em paz. O mundo será bem melhor sem esses vaga-lumes gigantes.
Assustada, a moça foi embora. Assustada e entristecida. Como alguém podia ter uma idéia daquelas? Ela correu, queria se afastar daquele homem que fabricava trevas. Quando já estava arfante, reparou que a noite tornava a clarear. Coisa estranha! O homem não disse que já havia passado por ali? Andou mais e escutou uma voz cantando.
Era uma mulher sentada no tear. A viajante dessa vez, por algum motivo, não sentiu medo (talvez porque canções sejam bem mais atrativas que resmungos). Aproximou-se. Tinha o rosto cansado e as mãos calejadas, mas era tão bela... estava sentada em um tear fiando... fiando... luz? Tecia um fio dourado que se enrolava em uma bola e subia, subia, subia, até alcançar o céu.
“Estrelas! Ela está tecendo estrelas!”.
Aproximou-se da tecelã. Ainda não tinha visto a moça, mas assim que desviou o rosto para ela, parou de cantar. A voz dela ainda era macia, embora pálida, quando ela falou:
- Boa noite. Perdida?
- Estou andando meio sem rumo... acho que isso poderia se chamar de estar perdida... estou nessa estrada, mas não tenho muita certeza de para onde vou ou o que farei.
A tecelã sorriu: - É normal. Essa estrada confunde todos.
- Escuta, você está tecendo estrelas?
- Sim, estou. Por quê?
- Vi um homem na estrada que as estava apagando.
A mulher baixou a cabeça, triste.
- É verdade. Há muitos deles por aí. Não entendo como podem se incomodar com as estrelas. É por isso que eu teço. Precisamos de mais estrelas, ainda mais com esses seres por aí.
- E como você consegue isso?
- O tear é feito das minhas lágrimas. A agulha, do meu suor. A linha, dos meus sonhos.
A viajante olhou maravilhada para o trabalho da tecelã. Era difícil. As estrelas demoravam a ficar prontas; com certeza, o homem conseguia apaga-las a uma velocidade bem maior. E ela se furava a todo momento com a agulha. Mas as linhas das estrelas em que seu sangue pingava ficavam ainda mais bonitas e brilhantes.
De repente, a moça entendeu que sua caminhada não fazia sentido. Que tudo o que fizera ali era inútil, perto do que aquela mulher fazia ali. Andara tanto e para quê? Só conseguiu fugir com medo do homem que fazia escuridão e ficar ali contemplando a mulher que tecia luz. O sentimento de derrota que sentiu foi tão grande que sentou-se ali mesmo no chão e chorou.
- Por que você chora, minha querida? – disse a tecelã.
- Porque eu estava assustada e com medo e tão preocupada em continuar minha estrada que não procurei trazer as estrelas de volta.
- Não é tarde. Olhe.
A viajante ergueu os olhos. Um tear, o seu tear, esperava ao lado da tecelã. Ela remexeu os bolsos e encontrou o lenço que usava pra enxugar o suor e havia agulhas nele. E viu que o carretel estava cheio da linha azul dos seus sonhos.
Ela sentou-se no tear. E ela e a mulher teceram estrelas e mais estrelas, noites e noites afora, na estrada sem fim...
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Relendo esse texto agora, fiquei até espantado. Ele surgiu completamente do nada, mas diz muito sobre mim. Perdoem-me pela infantilidade dele. Parece que quanto mais sincero eu sou num texto, mais fracos eles ficam haha
Falando agora do nosso (bem , pelo menos é meu =P) amado Casulo! Estamos fazendo algumas reformas estruturais, afinal é um ano de blog, cara! Então estamos inaugurando novas seções e abandonando velhas. Finalmente, os perfis estão no ar! E também estamos inaugurando a seção "Editorial", um espaço pra escrevermos nossas opiniões sobre qualquer assunto (veja bem, QUALQUER) e ficarmos mais próximos dos leitores. Embora não seja um post regular, essa seção trará novos textos a cada semana, no mesmo dia do post e agradeceríamos muito se vocês comentassem também nos comentários do texto da semana sobre o editorial. O Editorial e o Post serão feitos em regime de alternância. Exemplo: se eu estiver postando, o Editorial será do Feto. E as postagens agora serão feitas às sextas. Pelo menos, é isso que pretendemos. Se houverem semanas em que isso não for possível, paciência.
Como podem ver, de início, estou postando no domingo. E o editorial também é meu. Bom, começamos com uma exceção XD
Até mais ver, leitores! o/