Um chão em um divã

Hoje eu acordei diferente. Meio sem destino, sem um rumo pra seguir. Olhei pro quarto e até me espantei com o seu estado catastrófico. Que zona! Pensei. Como deixei isso chegar a esse ponto? Logo eu que abomino bagunça, sujeira e derivados. Logo eu que sempre planejo meus dias com séculos de antecedência. Logo eu!

Demorei um pouco até criar coragem suficiente pra enfrentar o batalhão de desordem a minha frente. Levantei tonta e cambaleando cheguei ao banheiro, escovei os dentes, lavei o rosto com sabonete líquido lavanda (muito agradável por sinal), prendi os cabelos terrivelmente inchados e voltei pro quarto. Era uma grande batalha, mas tava na hora de voltar pra mim. Chega de fingir que é possível tirar férias de si mesmo. Comecei pelos lençóis embolados aos montes na cama. Cesto de roupa suja. Colchas novas. Poeira pra fora. Dobrar roupa por roupa. Duas gavetas de blusas, outra de shorts, a quarta pra saias, a de baixo pra peças íntimas e a última de roupas inúteis futuramente doadas. Cada móvel, cada artefato dos meus dias, cada livro, cada lembrança... Limpos um por um, minuciosamente.


Joguei meu corpo exausto ao pé da cama. O chão me parece um ótimo transmissor de calma. Assim como o teto me transmite sabedoria. Vai entender! Cada um vê o mundo como pode. Mas não tenho o costume de ver o quarto por este ângulo. Estranho. Por trás dos meus óculos manchados só consigo perceber as revistas empilhadas na estante, a janelinha fechada (por onde deveria entrar rajadas de vento frio), o tapete preto e branco, o lixeiro lotado de borrões com cálculos e reclamações e lá no canto mais distante a tarraxa brilhante que eu tanto procurei. Fazia tempo que não tinha tempo para mudar meus costumes.


Nunca tinha reparado na minha mania de revistas guardadas e não lidas, nem o quanto o vento acalma, como o tapete é macio, o quanto preciso de árvores e o precioso tempo que perco procurando coisas que não preciso achar. Fazia tempo que não tinha tempo de reparar nas coisas. É sempre assim, momentos de euforia continuamente são seguidos por momentos de nostalgia. É o que propicia equilíbrio ao mundo. Alguém precisa chorar pra outro alguém ter motivos pra sorrir. A totalidade não passa de deslumbramentos, e fascínios não podem ser tocados, apenas cobiçados.

Ao tocar a tarraxa entre os dedos roídos, mal pude sentir sua existência apática e miúda, confrontada a sua dinâmica utilidade. Mas não pude deixar de perceber a ferrugem em sua volta, a oxidação explicada pelos papéis amassados no lixeiro, agora a sua inutilidade. Chega de fingir que o ócio inútil pode ser útil. Chega de fingir que descansar da vida serve pra se viver melhor. Chega de desculpas pra mania de perder tempo, a maciez do vento, a perda do momento, Quero a vista do mundo pela janelinha fechada, quero empilhar os papéis esquecidos, ler a essência dinâmica do fato de ser. É uma grande batalha, mas ta na hora de voltar pra mim
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Ahh, quanto tempo =P
Bem, esse texto surgiu no auge de uma crise pré-vestibular. Mas agora que o vestibular passou, acho que realmente chegou a hora de voltar pra mim e pro que eu gosto realmente de fazer. Ele é bem informal, não me preocupei com regras gramaticais e tal. Simples. Pq as vezes a complexidade tb cansa.
O velho ta numa boa viajando, eu to de ferias... Ta tudo lindo shauhsa. Muito bom! Mas depois que ele voltar teremos algumas breves novidades por aqui... Afinal o Casulo vai fazer aniversário! Então ate mais pessoas, voltem sempre =D

Um Delírio


Era um lugar lindo, tanto que só podia ter saído de um delírio. Eles pararam extasiados diante das flores de tantas cores, do capim alto e verde, de tanto vento, de tanta vida de uma vez só.
- Vamos correr?
- Quer brincar de alguma coisa?
- Não, só quero correr. Vamos!
E saiu em disparada pelo campo. Ela, que já estava acostumada às loucuras dele, apenas sorriu e o acompanhou na corrida.
Corriam rápido e sem pressa, amassando a vegetação ou ocasionais e azarados insetos que passassem debaixo dos pés. Corriam sem nenhuma linha de chegada, sem um percurso a cumprir, em círculos ou outra forma qualquer. Corriam pelo único motivo que se deveria correr, para sugar todo aquele ar puro, para abarrotar os pulmões com ele, para sentir o sol no rosto, para sentir cada músculo se esticando e vibrando e sentir essa vibração explodir nas gargalhadas que se espalhavam em seus rostos. Corriam para extravasar a alegria, aquela alegria intensa e cristalina, aquela alegria sem peso que os preenchia por estarem ali, naquele oásis de beleza, aquele oásis que não pertencia a ninguém e no entanto era só deles.
Quando caíram lado a lado no capim fofo, ainda riam. Conversaram longamente pelo tempo de um olhar e ele se apoiou em um cotovelo e beijou-a nos lábios.
- Por que isso, assim de repente?
- É que estou transbordando de felicidade e precisava te passar um pouco antes que derramasse. Felicidade não se estraga.
Ela, que já estava acostumada às loucuras dele, apenas sorriu e olhou pro céu. Naquele lugar sem tempo, era difícil dizer se era meio da manhã ou da tarde. Era certo, porém, que o sol nem nascia nem se punha. Mas ela nunca vira o sol mais bonito.


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Fiz esse texto domingo passado na prova do vestiba (fiquei morrendo de vergonha dos meus irmãos pegarem a prova pra corrigir e olharem o texto, mas é a vida...). Tá bem bobinho e curtinho ^^


De qualquer modo, eu queria desejar a melhor sorte do mundo aos meus amigos que vão fazer a prova da segunda etapa no domingo agora. Pessoal, vão com tudo que vocês merecem! Isso é pra ti também, Guria! "Detona essa prova nojenta!".


Ah, povo, o Casulo tá quase fazendo um ano de existência '\o/ Claro que eu e a Feto não vamos deixar a data passar em branco. Aguardem e verão.


That's all, folks!




Direito ao Delírio

de Eduardo Galeano


Está a nascer o novo milénio. Não dá para levar o assunto demasiado a sério: ao fim e ao cabo o ano 2001 dos cristãos é também o ano 1379 dos muçulmanos, o 5114 dos maias e o 5762 dos judeus. Além disso, o novo milénio nasce no primeiro de Janeiro por obra e graça de um capricho dos senadores romanos, que em determinada altura decidiram romper com a tradição que mandava celebrar o ano novo no começo de cada primavera.
A contagem dos anos da era cristã provém ainda de outro capricho: um belo dia o papa de Roma decidiu datar o nascimento de Jesus, mesmo que ninguém pudesse precisar então em que data tinha ele nascido. O tempo ri-se dos limites que inventamos para construirmos a ficção de que ele nos obedece, mas o mundo inteiro celebra e teme essa espécie de fronteira. Milénio vai, milénio vem, a ocasião é, assim, propícia para que oradores de inflamada verve possam perorar acerca do destino da humanidade, e para que os arautos da ira de Deus possam anunciar o fim do mundo. O tempo, esse, lá continua sossegado a sua caminhada ao longo da eternidade e do mistério. Verdade seja dita, porém, a uma data assim, por mais arbitrária que ela seja, não há quem resista, e ninguém escapa afinal à tentação de tentar saber como será o tempo que será.
Vá-se lá saber porém como será. Possuímos uma única certeza: no século vinte e um, ainda que possamos estar aqui, seremos todos gente do século passado e, pior ainda, seremos gente do passado milénio. Não podemos todavia tentar adivinhar o tempo que será sem que tenhamos, pelo menos, o direito de imaginar aquele que queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade não tem senão o direito de ver, de ouvir e de calar. Que tal se começássemos a exercer o nunca proclamado direito de sonhar? Que tal se delirásemos por um pouco? Vamos então lançar o olhar para lá da infâmia, tentando adivinhar outro mundo possível.No próximo milénio o ar estará limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das humanas paixões. Nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães. As pessoas não serão programadas por computador, nem compradas no supermercado, nem espiadas por televisor. O televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de engomar ou a máquina de lavar a roupa. As pessoas trabalharão para viver, em vez de viverem para trabalhar. Será incorporado nos códigos penais o delito de estupidez, que cometem todos aqueles que vivem para ter ou para ganhar, em vez de viverem apenas para viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca. Em nenhum país serão presos os jovens que se recusem a cumprir o serviço militar. Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas. Os cozinheiros deixarão de considerar que as lagostas gostam de ser cosidas vivas. Os historiadores deixarão de crer que existiram países que gostaram de ser invadidos. Os políticos não acreditarão mais que os pobres adoram comer promessas. A solenidade deixará de se julgar uma virtude e ninguém tomará a sério nada que não seja capaz de assumir. A morte e o dinheiro perderão os seus poderes mágicos, e nem por disfunção ou por acaso será possível transformar o canalha em cavalheiro virtuoso. Ninguém será considerado herói ou louco só porque faz aquilo que acredita ser justo, em vez de fazer aquilo que mais lhe convém. O mundo já não se encontrará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro caminho senão declarar a falência. A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão. As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua. Os meninos ricos não serão tratadas como se fossem dinheiro porque não existirão meninos ricos. A educação não será um privilégio apenas de quem possa pagá-la. A polícia não será a maldição daqueles que não podem comprá-la. A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas, voltarão a juntar-se, bem unidas ombro com ombro. Uma mulher, negra, será presidente do Brasil e outra mulher, negra também, será presidente dos Estados Unidos da América; uma mulher índia governará a Guatemala, e outra o Peru. Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque se negaram a esquecer em tempos de amnésia obrigatória. A Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento mandará festejar o corpo. A Igreja ditará também outro mandamento que havia sido esquecido: "Amarás a natureza, da qual fazes parte". E serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma.
Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são aqueles que desesperaram de tanto esperar e os que se perderam de tanto procurar. Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham desejo de justiça e desejo de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem que importem as fronteiras do mapa e do tempo. A perfeição continuará a ser o aborrecido privilégio dos deuses, mas, neste mundo imperfeito e exaltante, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.
Dez.99
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Dessa vez o texto não é nem do Fóssil nem da Feto. Eu fiquei de fazer essa 'postagem de Ano Novo' e resolvi não colocar um texto meu (resolvi do nada, eu ia, o texto tá até aqui...). Adoro esse texto aí em cima, já mostrei pra Márcia e acho que ele tem tudo a ver comigo. Isso porque eu sou um sonhador inveterado. E cada vez mais eu me convenço que preciso continuar sonhando e que nós somos feitos da matéria dos nossos sonhos e somos do tamanho daquilo que sonhamos. Com tantos choques e injeções de realidade, meus sonhos ainda não se desfizeram e eu diria que eles já não são mais castelos de areia. Eu espero que esses castelos continuem firmes onde estão pois é neles que eu me abrigo quando preciso de proteção.
CARA! 2008 passou tão rápido (ou serei eu que estou ficando velho demais, meu Deus?)! Esse foi um ano divisor de águas pra mim... pela primeira vez eu praticamente só tive incertezas na minha frente, pela primeira vez eu não tinha tudo planejado, pela primeira vez as coisas não estavam no meu controle. E a sensação disso é ótima... É como quando se salta de pára-quedas. A pessoa morre de medo e não quer ir, mas quando salta a sensação é maravilhosa (ou deve ser, nunca saltei). Eu tive medo. Mas já não tenho mais. Ou tenho, mas sei que posso enfrentá-lo.
Esse ano eu também descobri de novo algo além dessa história dos sonhos. Descobri de novo que as pessoas que amamos estão sempre conosco. Sair da escola pra mim representava perder a convivência diária com a minha segunda família. Quando entrei na faculdade, eu estranhava tudo e todos e tinha plena certeza de que não seria feliz ali como era com meus amigos. Mas que idiota que eu fui.
Descobri que a felicidade não é feita de pedra nem de metal. A felicidade não tem uma forma só e aparece tão disfarçada que às vezes deixamos passar. Minha busca incessante é segurá-la quando passar na minha frente. Mas só se pode fazer isso com o coração aberto. É perigoso: um coração aberto é também um coração exposto. É preciso cercar-se de outros corações que estarão prontos pra socorrer o seu se algo machucá-lo. Graças aos céus, eu tenho tido sorte em achar corações generosos assim.
E eu descobri que havia felicidade também aonde eu estava indo. Descobri que minha avó pode ter deixado nosso convívio, mas continua bem perto de nós. Descobri que minha segunda família pode ser maior ainda, mesmo que alguns membros não se conheçam. E tudo isso porque sonhei e porque meu coração estava aberto, esse coração que há muito tempo eu resolvi fechar.
E é por isso que tanto escrevi. Para agradecer a vocês, das minhas famílias, de tantos anos ou de tão poucos meses de convivência. É graças a vocês que minha cabeça hoje pulula de sonhos. E é graças a vocês que uma parte há muito fechada em meu coração se reabriu.


Feliz 2009! Muitos sonhos na cabeça e corações abertos pra felicidade chegar!