A morte e o vento


Para Adelaide Viana Pereira

Ventava muito naquela cidade, aqueles dias, pensou ela enquanto soprava o café. Ela o matara. Não sentia remorso ou medo. Sentia-se leve. Não sentia culpa, o que fizera foi pra se defender. Ninguém poderia culpá-la. Colocou mais um punhado de açúcar do pacote. Só usava esses açúcares em pacotes em lanchonetes. Ela o matara e sorria por isso. Louca, desvairada, psicopata. Ela matara o amor.
E descobriu que podia sobreviver. Ela se descobriu forte. Ela soube que era mais, descobriu-se totalmente diferente daquela que contara entre lágrimas para seus travesseiros, sem nunca falar. Ela que tanto ouvira "vai passar" e nunca acreditara, descobriu sozinha. Olha, passou. Um dia se viu no espelho e era outra. Gostou da outra. Resolveu se arrumar e trocou de pele. Deixou sua velha roupa e sua velha cabeça pra trás. Só não notou que com ele foi o amor.
Assustada, ela tentou colá-lo de volta. Que seria dela sem o amor, ela que tantas vezes havia dito que só tinha aquilo na vida? Mas não, o amor não queria colar nela. Queria sufocá-la, estrangulá-la. Ah, mas isso não. De novo não! Já lhe ferira demais. Pois ela resolveu matá-lo. Ficou parada, inerte, indiferente. Olhou em outra direção. O amor murchou, definhou, morreu. E ela sorriu vitoriosa.
Mas por quanto tempo? Saíra vitoriosa, mas valera a pena carregar tantas cicatrizes? Ela se descobriu outra, e não gostou dessa outra. Não parecia nada com ela essa outra que andava cabisbaixa. Aí ela resolveu ser mais outra e ergueu a cabeça.
E ela se descobriu outra quando ao erguer a cabeça, viu outro olhar.
Sorriu pro seu café de novo e bebeu-o todo de um só gole. Estava frio demais. Deixou o dinheiro no pires e saiu da lanchonete, atarefada que estava. Mas ao sair, deixou que o vento sacudisse seus cabelos. Como ventava naquela cidade ultimamente! Deixou a brisa levar tudo que ela já havia sido e sorriu. Descobrira um novo olhar, e olhou-se novamente com novos olhos. E ela se fez outra, e tão linda como nunca fora. Ela matara o amor, sem remorsos, porque sabia que o Amor, esse nunca morreria dentro dela. E saiu andando. Louca, desvairada, psicopata. E feliz, imensamente feliz, mais uma vez.

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Mais um texto com dedicatória. Que coisa, não? x) Amo-te, loira!



O meu maior medo pode parecer ridículo
Até mesmo absurdo
Riam, podem rir
A loucura é mesmo uma piada
Até a vida é uma piada (sem graça)
Mas que me faz sorrir
Tenho horror à insanidade
Medo de não conseguir voltar
Enclausurar-se no labirinto dos sonhos
E a lucidez se apaga
Perde-se a razão no fim do túnel
A escuridão do próximo passo em falso
Cambaleia a mente,
Entre a demência colorida e o amarelo sorriso da normalidade
Os loucos são mais felizes
Não sabem que loucos são
E o meu medo faz de mim normal por saber ou louca por sentir?
Sou bêbada como os insanos
Mas acordo na ressaca enquanto dormem os demais
E ao seu lado na cama um alguém
Riem, podem rir
O amor é mesmo o distúrbio mais crônico
A pandemia que eles buscam a cura
Mas que mata se um dia curar
É o verme necessário
O eletrochoque
Mas quando o alguém desperta
Ninguém sorri
A saudade é mesmo a falta daquilo que nunca se teve
O tempo
Mas o ponteiro dissimulado ilude
Ilusão de poder
Eu ri, ri de mim
A música é mesmo um excesso de letras de quem tem muito pra dizer
Mas não sabe o que
Eu é que não troco minha certeza do nada
Pela possibilidade vaga de um tudo
Não quando esse vazio preenche minha alma
E esse todo pára meu pulso
Riam, podem rir
A loucura é mesmo uma piada
A vida é uma piada
A mais sem graça
A que mais me faz sorrir
E que gargalhem os loucos.
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Milagres acontecem =DDD
Fazia muito tempo que eu nao escrevia nada. Esse texto foi a ressaca de um pesadelo que tive ontem. Tomara que alguém goste!
Saudades imensas do Casulo.
Beijão.
Márcia, vulgo feto.

Oficina do Diabo


Para Hugo César Lima

A casa era uma faca.
Ele olhava ao redor e tudo estava fora de lugar. A TV na sala, os sofás que a contemplavam, os livros nas estantes, os pratos nos armários da cozinha. Tudo fora de lugar. Ele sentia como que uma febre, uma inquietação agoniante e se sentava na poltrona branca, as pernas encolhidas, os pés metidos em meias pretas. Estava frio e ele sentia como que uma febre. Tudo estava fora de lugar.
Aquela meticulosidade de arrumação e limpeza não era dele. A casa era vidro, metal e branco, uma brancura ofuscante que o angustiava. Tudo era calma e nada estava no lugar. A casa arrumada com esmero por alguém, e ele revirado por dentro, a mais completa desordem. E só. Por dentro ele era xícaras sem asas, espelhos trincados, livros rasgados e CDs espalhados pelo chão. As janelas estavam escancaradas, mas os olhos dele só enxergavam cortinas.
A casa era uma gaiola de porta aberta e ele, passarinho estocolmado. Tinha medo demais, era grande demais e tinha as asas amputadas. Mas odiava a gaiola e a ração de alpiste e água. Ele depenava e definhava e sobrevivia. Ele morria.
Ele não estava ali, não era o seu rosto naqueles reflexos. Perdera a face há muito tempo em algum espelho.
Ele era desespero e silêncio e uma apatia desgraçada. Seu rosto e sua garganta estavam secos. Ele morria. Ele queria mas não se movia. Ele implorava e seu rosto, impassível. Seu sangue estava frio como os azulejos. Ele morria. Esticou as pernas e sentiu o peso sob as meias. Levantou-se. Alguém abriu a porta.
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Enfim, de volta! Perdão pela longa ausência, mas o rojão tá duro pra mim e principalmente pro Feto, então paciência aí =) Esse texto não tem muita a ver coisa comigo - atualmente - e nem com Hugo - acho - mas dedico a ele que me emprestou a caneta e foi o primeiro a l~e-lo - pra variar, no meio da aula.
Saudades do Casulo ^^
Abraços!

Das minhas utopias - conselhos pra mim, pra todos, pra ninguém


Em uma palestra, Marina Colasanti, quando perguntada sobre o Amor, falou de um gravatá que havia sobre a mesa em que estava. Ela disse que achou lindo o gravatá. Mas só quando passa a sentir amor por ele, Marina derrama um pouco da água da sua taça na planta, porque viu que o gravatá estava meio seco. O amor, segundo a escritora, é a capacidade de sentir a felicidade dos outros ser para quem ama tão ou mais importante que a sua própria – a ponto de ela preferir ficar com sede a vê-la seca.
Aí em outra palestra, escuto outra pergunta: “o que eu posso fazer para mudar a situação em que a sociedade se encontra?”.
Nem sei o que responderam pra essa pessoa – nem lembro se era ele ou ela. Pensei na pergunta. Mas o que fazer mesmo, hein? E eu faço algo pra mudar essa situação? E eu quero fazer?
Eu quero fazer. Eu faço? Sei lá se eu faço. Mas eu quero fazer, apesar de tudo. Apesar de mais e mais fileiras caindo, menos vozes gritando palavras de ordem, menos mãos estendendo panfletos, menos ainda para apanhá-los – mas sempre mais panfletos lotando latas de lixo ou, pior, emporcalhando as ruas. Estou cansado e nem iniciei minha luta. Vejo lutadores cabisbaixos e abandonando fronts. Tenho os pés doendo, dores na coluna, braços cansados, voz rouca e testa suada. Mas de pé, erguido, braços sacudindo e gritando.
Você me pergunta como lutar, eu calo. Sua luta é sua. A minha é minha. Podemos estar lado a lado na rua e nossas vozes podem quase alcançar o mesmo tom. Mas cada um de nós é um, ainda que juntos sejamos muitos em um. Eu sei de minhas capacidades e de superá-las. Ou não sei, e todo dia procuro saber. Você também precisa aprender a procurar. Mas tem um conselho que posso lhe dar – aliás, que posso nos dar. É algo que ouvi de Piaf e que sei que está dentro da sua capacidade.
Ame.
É nisso que consiste a luta. Amar. Sem amor, toda luta é vã e vazia, sem sentido, selvageria. Sem amor, a luta não vai longe. Porque você só luta de verdade por aquilo que ama, porque é algo que lhe é tão caro que você quer proteger a todo custo, algo em quem você derramaria sua taça, ainda que estivesse com sede. Só o amor fortalece a luta.
Mas amar é difícil. Quão difícil é dizer “eu te amo”? Então não vá dizendo “só isso?” quando eu lhe disser “ame”. Pelo que ou por quem você lutaria a todo custo? Amores, amigos? Sua terra? Sua Terra? Liberdade, prazer, educação? Você lutaria a todo custo pela paz?
Não, amar não é fácil. O amor é um sacrifício, o amor é um sacerdócio, como diria Chico Buarque. Amar então um desconhecido! Uma mulher que é despejada na favela. Um camponês que luta pela sua terra. Um estudante massacrado pela polícia. Um quilombola que vê sua lavoura destruída. Por que você deve amar essas pessoas?
A resposta é: não deve. Mas a luta, assim como o amor, acaba se tornando uma opção, depois de uma fase de grande arrebatamento. Se você preferir, escolha não alimentar aquele amor, ou aquela luta, ou aquele gravatá e ele vai minguar e definhar até morrer – mais dia, menos dia, mesmo que lhe doa um tanto. Então, se você escolhe, mais que lutar por essas pessoas, lutar ao lado delas, é necessário, é extremamente importante que você as ame. E alimente sua luta, a cada decepção, a cada piquete vazio, a cada corpo ou barricada que cai, alimente sua luta com ainda mais amor. Porque se o amor vive, ele se reinventa a cada dia. Mas se o amor morre, a luta morre. E eu pessoalmente, sem amor e sem luta, não seria muito diferente de um gravatá seco.

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Invertendo: isso é uma crônica, provavelmente estaria no editorial, mas por razões de ordem que discuti com Márcia, resolvi colocar em um post normal. Esse texto surgiu durante um encontro de estudantes do qual participei recentemente, mas os sentimentos e ideias que me levaram a ele estão se consolidando a algum tempo dentro de mim, graças a pessoas que todo dia me ensinam mais e mais sobre o amor e sobre luta. O texto não tá lá muito rico literariamente falando, mas tenham certeza de que fui completamente transparente e sincero nele e por isso ele tem muito significado pra mim. Espero que tenha pra algum de vocês :) Desculpem a ausência, muitas tarefas acumuladas nessa faculdade... Abraços.

Multidão



Marcham os dias rumo ao limite. Em formação de combate seguem os ponteiros a cercar as horas. O tempo pirraça, moleque malicioso que se diverte à custa da nossa existência. Não se sente mais. Vazios, passamos sem reagir, sem ruído, sem odor, sem pudor. Os batimentos cessaram, calaram-se os pensamentos. E não se ouve mais. Nem as vozes interiores que sempre desnortearam a tantos. O caos transgrediu o alcance da sanidade, a ordem surgiu como que por instinto e por instinto seguimos sem saber pra onde. Vamos em frente, ordenados pela intuição. Indivíduos planejados para existir, seguir e mais nada. Roldanas giram nossos passos. Delimitam nosso espaço. Não há tristeza, só equilíbrio. Cancelados os vetores opostos. Estático. Quando o barulho é tanto que dele se faz silêncio. A dor abissal se faz apatia. O homem animal se fez máquina. No fim, deitam-se os corpos enfadados, enfileirados em retas perfeitas, a luz e esvai e ninguém percebe que passou o dia.


Desculpem pela reta não ser tão perfeita assim! Foi o melhor que encontrei =]

Singularidade


Acordou, praguejou, levantou, lavou, escovou, comeu, fechou, trancou, apertou, esperou, esperou, esperou, praguejou, desceu, cumprimentou, dispensou, correu, correu, saiu, atravessou, parou, subiu, sentou, suou, praguejou, desceu, saiu, correu, subiu, cumprimentou, sentou, sorriu, praguejou, murmurou, ligou, digitou, analisou, trabalhou, trabalhou, suspirou, implorou, comemorou, saiu, conversou, aceitou, acompanhou, chegou, sentou, bebeu, encontrou, conversou, sorriu, mentiu, levou, chegou, deitou, despiu, trepou, suou, gozou, suspirou, virou, dormiu e acordou.
(Nas nuvens, um anjo sorria enquanto o outro tripudiava. E nas autovias as pessoas ainda se ocupavam de nascer e morrer).

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Eu sei que não é nada original, mas foi o que a inspiração me trouxe, o que eu poderia dizer á ela? =)

Uma vez na vida



Momentos assim são raros. Ali na minha frente estavam elas, as pessoas mais importantes da vida que vivi. As que eu mais amei e pelas quais mais fui amada. Não estavam envoltas em gargalhadas como de costume. Alguns sussurros aqui, outros acolá, mas nada comparado aos discursos inflamados nas rodas de amigos. Os casos contados e recontados que não cansamos de relembrar. O clímax, o segundo de silêncio entre o fim da narração e a explosão de comentários e risos simultâneos. Risos prolongados ao máximo pelo contentamento da companhia. E encadeados, um sorriso puxa outro, contamina um por um de quem estiver por perto. Sensação deliciosa de uma boa epidemia. Que bom seria se não existissem curas pra felicidade.

Pessoas iam e vinham. Uns amigos, outros nem tanto. Um ou outro não encontrado na memória. Mas os que a mente selecionara, gravados na essência dos dias, esses estavam todos ali ao lado. A maioria deles abraçados entre si, uns mais apoiados que abraçados. Não eram muitos, mas o suficiente pra comprovar que vida tinha valido a pena.

O choro de minha mãe era constante, e cansado. Não tinha o mesmo vigor do início, não que lhe faltassem motivos para o lamento, faltavam-lhe forças. Enquanto isso as mãos do meu pai se estendiam sobre as minhas em um silêncio gritante. Queria eu enxugar suas lágrimas e retribui seu afeto. Queria ainda mais substituir aqueles soluços pelo riso. Aquele carinho tímido pelo abraço ilimitado. Mas o que podia eu fazer?

Depois de muitos cumprimentos discretos as pessoas deram as mãos e organizaram-se em um círculo mal feito ao meu redor. E assim puseram-se a recitar a mais verdadeira das poesias. Pai nosso que estais no céu. Nunca fui a mais religiosa das criaturas. Santificado seja o vosso nome. Muitos dos presentes ali também não. Vem a nós o nosso reino. Mas em momentos raros como este. Seja feita a vossa vontade. Algum tipo de fé dormente desperta no peito. Assim na terra como no céu. E é possível sentir nas mãos entrelaçadas. O pão nosso de cada dia nos daí hoje. Um pulso mais forte e mais seguro do que o habitual. Perdoai-nos as nossas ofensas. É a oração feita junto à cama com as pequenas mãos espalmadas. Assim como nos perdoamos a quem nos tem ofendido. A certeza permitida pela pureza de ser criança. Não nos deixei cair em tentação. Quando ainda não sabíamos solidificar tudo, até nossas almas. Mas nos livrai-nos do mal. Morrer não dói, mas deixa saudade.

Amém. Amém.

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Quanto tempo =)

Eu sempre tento me responder o porquê dos meus textos e nunca consigo. Eles surgem assim do além. Do subconsciente talvez. Um dia eu ainda descubro como e pq.

Beijão!


Ele só sabia que chovia. Como chegaram ali, como obtivera a imensa coragem de segurar a mão dela, como começara a falar heroicamente, quase sem gaguejar, como se tivesse ensaiado - isso ele não sabia. Mentira; lembrava de quase tudo, mas o importante mesmo era que chovia. Havia um silêncio de bomba - bomba não-lançada - entre cada frase. Ele falava, cada palavra um passo a mais em lago coberto de gelo fino, vendo o precipício no final de cada caminho (tão articulado o achavam e quando ele precisava falar, diacho, as palavras saíam cuspidas, sem sentido). E depois das palavras, mais silêncio, e ele ficava olhando pros olhos dela (quando ela lhe permitia vê-los) e espreitando a bomba naquele céu castanho - caía ou não caía? Aí ela falou - rápida, nervosa, quase desconexa. Mas nem tanto, as palavras dela talvez teriam feito sentido se ele a deixasse terminar. Mas ele a beijou e só soube dos lábios dela contra os seus e tudo fez sentido - as palavras dela, as palavras dele, o lugar, a chuva, o silêncio. E depois do beijo, foi outro silêncio de bomba. De bomba lançada, certeira, de bomba que acerta o alvo. E depois ele só sabia dos seus sorrisos.

Saber agora, ele não sabe de muita coisa. Não sabe quanto vai durar, não sabe quantas chuvas e quantos pôr-de-sóis. Mas ele sabe sim, que cada uma e cada um valeu a pena. Ele ainda não sabe o que é, mas é bom. Ele não sabe o que detonou aquela bomba. Ele só sabe que desde aquele dia ele, que só sabia ser feliz em parte, prova todos os dias as delícias de ser feliz por inteiro.

E eu só posso dizer que espero que essa história ainda demore muito pra acabar.

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Tu sabes que é pra ti, bonita.

Lembrem-se das borboletas


"O amor de um cura o ódio de milhões"
(Gandhi)

Dos poucos luxos aos quais se dava na vida, um era aquele belo canteiro de flores. Mas não era um luxo que guardava pra si; tão logo as flores estavam no seu período mais bonito, ele as colhia, colocava-as num cesto e ia para o centro da cidade. E lá as distribuía para quem passasse. Sim, distribuía; muitos achavam que ele estava vendendo, outros tantos que ele estava ligado a alguma seita, mas a maioria pensava que ele era um maluco mesmo. E com razão.

A dona de casa passava com sua sacola de compras e o homem do escritório carregava uma pasta preta, mas ambos se incomodaram com a vadiagem do senhor. E mesmo ocupados como eram, resolveram ir até o homem e interpelá-lo:

- Escuta, moço, o senhor não tem mais o que fazer? - essa peróla de sutileza foi cuspida pela dona de casa.

O velho, doido, distribuidor de flores (e que também tinha algo de poeta, desconfio eu) também adorava conversar. Riu-se da pergunta da mulher e respondeu:

- Tenho, mas o que faço aqui é muito mais importante.

- Entregar flores às pessoas? De graça? - inquiriu a mulher, incrédula.

- Sim. Consegues pensar em algo mais importante?

O homem de negócios riu:

- Nesse momento me ocorrem pelo menos umas duzentas coisas de uma vez...

- Entendo... é uma pena... - disse o velho e parecia realmente apiedado.

E ele não parou de entregar as flores enquanto falava. Eram flores grandes, vistosas, bonitas. A dona de casa irritava-se cada vez mais:

- Mas por que diabos o senhor faz isso?

- Simples. Cada vez que entrego uma flor e alguém sorri, ganho uma batalha contra o ódio e a tristeza.

Os dois ficaram estupefatos. O homem continuou:

- Entendo o espanto. Também acho que o ódio e a tristeza devem existir no mundo. Mas penso que eles existem para podermos combatê-los e derrotá-los a cada dia.

Ele claramente interpretara erradamente os rostos dos dois. Mexendo incomodado na sua gravata, o homem de negócios falou:

- Não vês que estás empenhado em uma batalha vã?

- Sim! - concordou a dona de casa - De que adianta esse sorriso agora no rosto das pessoas se mais tarde essa flor vai murchar e eles voltarão a ser tristes - talvez antes disso, até. Talvez até joguem a flor fora, uma vez que estejam fora das suas vistas. De toda maneira, esse sorriso não ficará lá para sempre!

- Diga-me, minha filha, acaso não lembras das borboletas?

- Como?

- As borboletas... passam tanto tempo rastejando como lagartas e depois se fecham num casulo do qual lutam ferozmente para sair. Muitas morrem no caminho. Depois que viram borboletas, não duram mais que alguns dias. Porém eu não conheço muitas existências tão belas assim neste mundo.

A mulher arregalou os olhos, mas logo dissimulou a admiração. Fez cara de pouco caso e de caso perdido, agarrou a sacola e foi embora. O homem de negócios sorria. A afirmação daquele velho senil era bonita, mas e daí? Beleza e só, quem ligava pra isso?

- Achas mesmo que conseguirás vencer nessa revolução de flores, meu bom homem?

- Quem sabe, meu filho? Essas flores, eu só as distribuo.

- E acreditas que pode comover alguém? Que alguém continuará essa sua luta depois que o senhor se for? O que acontecerá quando o senhor partir deste mundo?

- Quando eu morrer, meu filho, meu corpo há de ser adubo para que nasçam ainda mais flores por aqui.

O homem sorriu. Disse ao velho que precisava ir e este entregou-lhe uma flor. Enquanto se afastava, o homem de negócios prendeu a grande, vistosa e bonita flor na sua pasta. O velho sorriu ao observá-lo de longe. Conseguira mais um soldado.

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A todos que acreditam na utopia e no poder das flores sobre as armas e a todos aqueles que me ensinaram e continuam ensinando a acreditar nisso também. Muito obrigado a todos por existirem.


Foto: Pietro Cenini, extraída do calendário da ECOOS.

Bola de Sabão


Contornos de um cintilante cru
Invisíveis como fronteiras de ideais
Disfarçados em pureza ao olho nu
Turvas plumas ao vento
Flexível como a masmorra de uma mente
No cárcere privado do pensamento
Sua existência eternizada em segundos de leveza
A subida magistral de uma realeza
No ápice que a energia lhe permite
Em um instante de inércia
Uma virada de sentido emite
Queda livre
Ventre livre
Livre!
Implodem os confins inflexíveis
Expandem anseios inóspitos
Respiram ares impenetráveis
Maduros, abandonamos a bolha
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Eu não sou muito (nem um pouco na verdade hhe) familiariza em escrita de poemas e poesias. Entao vcs perdoem ai minha ousadia. Eu não ia postar esse, mas não resisti. Preciso da opinião de vcs. Podem esculhambar, se preciso. Acabei pisando num terreno desconhecido. Mas a vale a nova experiência =)

Conselho


Por um segundo perdi a noção do tempo, submergi em meio à desonra. Meus valores, por tanto tempo escondidos, decidiram se expor. Surgiram como carrascos ferozes prontos para executar o condenado. Sede de vingança. Vingar-se de si mesmo talvez seja a mais fria das refeições. Até o ar tornou-se intimidador. Impossível encarar as paredes. Os olhos molhados chicoteavam meu orgulho, minha moral. Que moral? Não era preciso gastar palavras, eu era capaz de sentir na pele cada pensamento amargurado que se passava por aquelas mentes. Cada dolorosa acusação.
O que eu fiz pouco importa para quem não presenciou o feito. Mas o que eu senti muito vale para quem algum dia pensar em fazê-lo. Não me interessam ameaças, mas cabe a mim a advertência. Pensem. Faça o que fizer, ou não faça. Mas pense. Pense que o que é feito hoje ecoa pela eternidade e que os ecos tornam-se enfadonhos com o tempo.
A decepção é algo intrigante. Reflete em todas as direções possíveis, atinge a todos no caminho. Acende uma dor fina e infinita, em algum recinto entre a razão e a emoção. Mesmo lugar onde dói o remorso. No qual lateja a infâmia do próprio reflexo. Tudo isso se coagula em mágoa, petrifica-se em prantos. Úmida rejeição de quem se ama. Curvar-se em volta de perdões é o que lhe resta. Ajoelhar-se aos pés da vergonha.
E tudo pesa no mais íntimo que se pode ser, no eu mais nosso, onde somos mais sinceros, mais puramente impuros. Consciência. Um pedaço do eu que se esconde aqui por dentro, sempre pronto pra apunhalar nossas fraquezas. O calcanhar de Aquiles interior. O arrependimento. E esse homenzinho fujão percorre nossos espaços mais guardados, camuflados por nossos atributos. Expõe o obscuro impedindo que atos caiam no esquecimento e que o esquecimento nos faça cair em novos atos.
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Esse mês as coisas por aqui ficaram meio desnortiadas ne? Mas a gente ja ta se organizando de novo. Acho que ja deu tempo de decorarem o editorial do Velho shuahsa. Perdoem gente, eu sugeri duas semanas e acabei deixando o texto la três!
Sobre o texto, nem eu sei o pq dele. Surgiu do além =)
Bjão!

A mais bonita




Era linda. Ele procurava outros adjetivos, mas encerrá-la em palavras era criminoso e ele não tinha vocabulário suficiente para isso. Mas era linda, em todos os aspectos, e ele não conseguia se acostumar a ver ela chegar todos os dias de olhos espertos e um sorriso gigante. Ele a tomava nos braços com carinho e cuidado, mas com força, como se não quisesse mais soltá-la, como se precisasse daquele abraço com a mesma necessidade do oxigênio. Como se precisasse gravar nele a impressão da pele macia dela, sentir suas bochechas apertadas contra as suas, pra não esquecer nunca mais, pra enfrentar mais aquele dia naquele mundo que nada interessava. Pra que trabalhar, pra que estudar, do que correr atrás, se a felicidade cabia naquele abraço, naquele olhar? A felicidade estava naquele riso, naqueles filmes vistos centenas de vezes a cada dia, nas músicas repetitivas e repetidas à exaustão - dos outros, não dela. E os pulos, e as danças, e os prédios inteiros construídos no chão da sala.


É tanta sonho, tanta graça que os dias realmente se tornaram dias e não sucessões de datas. Ela o fez entender que não se sorri só com a boca e os dentes, e ele ficou extasiado quando percebeu seus olhos, seu nariz, cabelos, orelhas, estômago, mãos, todos sorrindo em coro. Ele vê a cada dia ela curar seu coração cansado ou partido.


Ele chora, porque tem medo. Sabe que o abraço dele não poderá segurá-la para sempre, porque ela tem asas. Seria outro crime amarrá-las. Ela precisa voar e ele tem medo porque o céu tem é cheio de perigos, mas tem mais medo que ela não queira mais voltar. Tem medo que o abraço dele se torne demasiado incômodo para as asas dela que já são grandes e ah, hão de ser muito maiores. Ele quer que elas sejam maiores porque asas tão pequenas não conseguirão aguentar sonhos e sorrisos tão imensos por tanto tempo. E quando ela puder abraçar o mundo, será que lembrará do abraço dele?


Ele não sabe. Mas aí ela sorri pra ele e o medo some por agora. Ele está em paz e o corpo todo sorri.




Para Maria Gabriela.


PS: Sim, o nome do post é por causa do Chico. Mas é porque quando escuto "Beatriz" também lembro da minha sobrinha =)



Ela levantou a cabeça e o encarou com aquele olhar intenso, típico de grandes amigos. Amigos inerentes, desde sempre. Eram incapazes de lembrar o dia que se viram pela primeira vez, eram pequenos demais pra isso. Cresceram juntos, ela sempre ali ao lado vivendo exclusivamente em função da espera, do momento que ele retornaria para casa, que lhe daria a atenção tão desejada. Os dois deitados no chão da sala, de barriga pra cima. O olhar nostálgico dele, típico de momentos de solidão, chamou-a em silêncio. Obediente, levantou e caminhou até seu dono, ergueu as patas dianteiras ao alcance da beirada da cama e encostou o focinho gelado nas mãos quentes do homem. Empurrou uma, duas, três vezes. Até que ele tivesse a reação esperada, acariciando o seu pêlo macio. Os dois haviam perdido pessoas importantes, as mais importantes. Ela muito provavelmente não sabia o que estava acontecendo, o porquê daquilo. Ele também não. Nunca estiveram tão próximos, nunca foram tão iguais. Deixando o copo que segurava apoiado em cima do criado-mudo, suspendeu a amiga pela barriga para cima da cama. Ela aconchegou-se nos braços dele. Ele aconchegou-se na inocente companhia dela. E lá ficaram os dois, com seus olhares vazios de sentido e cheios de lágrimas, até a dor passar.
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A Bia (o ser lindo e chamoso da foto) é um dos seres mais humanos que eu conheço! Então aqui fica um texto pras minhas pretas ( Bia, Foca e Tita). Cadelas da minha vida =D
Ah e outra coisa pessoas, queria pedir pra quem lê o blog comente, nem que seja um "eu leio" (viu ferpa? haha). É importante pra gente saber quem passa por aqui =)
Abração!

Labirinto


Havia medo nas unhas daquela mulher e ela as devorava na esperança também de triturar o pavor entre os molares. O veneno do medo, porém, só se entranhava mais. Era uma calda viscosa e amarga que ela sentia na língua, violava a sua garganta e gelava o estômago. E ela exalava o fedor do medo por todos os poros, o seu suor impregnado daquele cheiro acre que a embriagava. Tinha medo do que fizera, tinha medo do que faria.

O homem estava absorvido por aquele romance. Há tempos havia perdido a paciência para a televisão e precisava de algo que o distraísse depois de um dia exaustivo no escritório. Banho, jantar, pijama, poltrona reclinável de couro amarelo. Paraíso. Seria se o bebê não chorasse tanto. A mulher reclama que ele é um imprestável que não ajuda em anda. Como se engordar a conta bancária dela fosse pouco. O sexo costumeiro havia sido abandonado por causa do bebê, não era culpa dele – se bem que... - ele que pagava a camisola de dentro da qual ela confortavelmente pragueja contra ele. E era de seda.
Podia se dar ao luxo de gastar a noite consigo mesmo, descansando do seu trabalho fatigante, se a mulher podia se dar ao luxo mais exorbitante de fazer sumirem rios caudalosos de seu dinheiro em poucos dias. Ela enchia o exterior de supérfluos, ele o interior. Ora essa.
Certas histórias bobas tem magia. Ele sempre desprezara Agatha Christie e Stephen King, mas aquele romance... podia sentir nos dedos as poucas páginas que faltavam, mas ele não podia acreditar que ia terminar assim... a mulher acabara de assassinar seu filho, sufocando-o com o travesseiro e se dirigia ao revólver do gaveteiro. Porque ela fizera aquilo ele não sabia compreender. Louca, pressupunha. Uma história boba, mas as tintas melodramáticas que o autor usava para pintar as cenas tornava-as atrativas demais para que ele desviasse o olhar delas.

A mulher pegou o revólver. O coração ela podia sentir tentando sair pela garganta, tolhendo-lhe a respiração. As mãos não tremiam, mas pelas unhas devoradas ainda escorria medo. Mas ela sabia que precisava seguir. Pôs uma das mãos na maçaneta, segurando a arma com força na outra. Girou o trinco. Podia ver a ponta da cabeça dele por cima da poltrona reclinável de couro amarelo.

O homem virou-se assustado. Da porta do quarto do filho, a mulher encarava-o. Havia medo em seus olhos. Havia um revólver em suas mãos.
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Hoje estou dividido. Há uma intensa alegria em mim, mas também uma imensa revolta. A revolta, creio que bem obviamente, é por nossa nova velha governadora, Roseana Sarney. Mas não falarei disso agora. É algo de que pretendo falar em um futuro editorial.
Mas tô feliz por causa do show do Monobloco! ^^ Sei que muita gente vai achar que eu sou um alienado por isso. Não sabem o quanto me fez bem, o quão lavada minha alma saiu daquela Batuque nesta madrugada se sexta para sábado! E eu que achava que ia sozinho ainda tive companhias especialíssimas, especialmente de Juliana e Thaís - desde o começo até o último suspiro dos tambores. Feliz eu sou com vocês, como diria o Mestre Yoda xD

Merdas à parte, boa noite pra todo mundo!
(cara, Feto, esse é um dos únicos blogs que eu conheço que as pessoas colocam essas coisas toscas depois do texto. Mas fazer o que se a gente é tosco mesmo... o/)
Abraços.

O que no início era um armazém de esquina e sem importância se converteu no maior e mais requisitado mercado mundial. Quem um dia foi tachado de louco, trapaceiro e macumbeiro virou o mais famoso cientista que a terra já conheceu. O que era apenas uma crença de família, passada de pai pra filho há séculos, um costume caseiro e dogmático transformou o rumo da história. Onde antes se vendiam verduras, frutas e enlatados, hoje se encontrava prateleiras repletas de pacotinhos intitulados com os mais variados sentimentos. Exatamente. Carrinhos lotados de orgulho, de amor com uma pitadinha de ciúmes. Uma senhora, velha demais pra perder tempo procurando, decide comprar algumas paixões. Pega uns pacotinhos vermelho-sangue, de 100g cada e discretamente põe embaixo dos demais produtos na cesta. Agora é só presentear alguém do seu interesse e esperar.

Era dia de promoção e o lugar estava congestionado. “São 3000 kg de sorte, embrulhar para presente, por favor.” “Queremos 246g de amizade, em seis fatias”. “Moça, quanto ta custando a auto-estima?”

Os porões das casas estocavam o máximo de emoções possíveis. Caixas e mais caixas de sucesso eram encomendadas. O serviço de telemarketing atendia 24 horas por dia, 365 dias ao ano.
- Sentimentos Cia, bom dia.
- Alô, gostaria de fazer uma encomenda.
- Qual o seu pedido?
- São 5000 Kg de paz e 3000 litros de compaixão. Vocês fazem entrega para o exterior?
- Fazemos sim. Vou passá-la para a linha de exportação. La a senhora poderá solicitar sua encomenda e mandá-la para onde quiser.

Filas descomunais esperavam por produtos escassos.
- 765g de coragem, 600g de ódio e 350g de desumanidade, é hoje que pego aqueles dois desgraçados.
- Desculpe senhor, mas não vendemos esse tipo de mercadoria. Apenas sentimentos virtuosos são comercializados neste estabelecimento.

O homem descabelado deixou aparecer discretamente o bolo de notas azuis dentro de sua jaqueta e a vendedora, mais discretamente ainda, deu-lhe um cartão com um número de telefone. O homem pegou o cartão e se dirigiu para a saída, ligaria mais tarde para pegar a mercadoria em um local combinado. Um local seguro. O contrabando de sentimentos julgados tortuosos era censurado, sujeito a pena de morte. Mas nada que impedisse o comércio paralelo dos mesmos. Ainda tentou-se ocultar o método tradicional de capturar os sentimentos e transformá-los em matéria. Era tudo separado por tipo e intensidade. Pela cor, textura e estado. Mas esconder o processo não foi possível. O método foi logo descoberto, desmembrado, multiplicado, desenvolvido. Pessoas felizes demais começaram a desaparecer, voltando apáticas demais para se expressar. Demonstrar amor em público? Que absurdo! E antes que alguém percebesse o vetor da censura se desviara, sentimentos virtuosos viraram luxo e perigo.

“Tio, dá um trocado pra eu comprar tiquinho de felicidade aí.” “Vai procurar trabalhar moleque!” Respondeu o homem que tinha acabado de comprar um pacote de carinho, mas que tinha esquecido em cima do balcão. Esquecer era a única ação que ninguém esquecia de fazer.
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Isso deveria ser um editorial, mas acabei me empolgando hehe.
Depois que terminei de escrever que percebi que no fundo a gente compra e vende nossos sentidos todo dia, traduz cada sentir nosso em matéria...Como se isso fosse possível.
Bjao =)

O último ato do Homem das Mil Máscaras


O teatro estava lotado, mas não era à toa. O rapaz era um prodígio. Daqueles que fazia com que qualquer um pudesse dar uma de crítico dizendo "ele tem talento!" sem medo de errar. Ainda assim, anunciara que aquela seria a sua última apresentação. Claro, poucos levaram isso a sério. Afinal, tantos artistas anunciam uma última aparição antes de voltar alguns anos depois e além disso ele era tão novo... ninguém duvidava que seria uma pena se ele resolvesse realmente abandonar os palcos assim.

O ator esbanjava talento em sua suposta última peça, uma obra chamada "O Homem das Mil Máscaras", um monólogo que ainda por cima era escrito e dirigido por ele mesmo! Cada ato da peça conduzia a uma face do ser humano - como explicava o prospecto - e a platéia passeava extasiada por tantas variações de suas próprias personalidades que reconheciam ali encenadas. Uma obra que já nascera clássica.

Os atos se seguiam: o Engraçado, o Louco, o Bobo, o Falso, o Trabalhador, o Entristecido, o Maldito, o Encolerizado, o Amante. Eram atos curtos e fulminantes. Em cada um, o ator usara máscaras ou maquiagens bem caricatas para representar o personagem que queria. Só faltava mais um; no prospecto lia-se "o homem último". Isso não dizia tanto quanto os nomes dos atos anteriores e a platéia se remexia em polvorosa ante a proximidade do tal último ato. E as cortinas se abriram... para a surpresa de todos, o rapaz apareceu sem máscaras:

- Boa noite, senhoras e senhores. Espero que estejam confortáveis em seus assentos. Peço perdão se os fiz esperar: eis-me aqui, o homem último.

"No homem último, não se permitem máscaras, pois todas elas caíram. O homem último não esconde suas dores, suas alegrias ou sua indiferença atrás de rostos falsos. O homem último é o mais humano dos homens e contudo conseguiu superar tudo que o liga à humanidade.

Pois eis-me aqui, senhores: sou eu o homem último! Fui eu quem restou de todos que eu tinha ao meu lado. Envergonho-me de dizer que nada foi tirado de mim: eu que arranquei tudo e joguei fora. Eu representei e esqueci de sair do papel depois. Faz muito tempo que não sou eu. Nem sei se ainda posso ser. Sei que sou o homem último, mas ele não sou eu.

O homem último se vê no alto de uma montanha de corpos que ele escalou con sapatos de sola de ferro, sem piedade. Ele acreditava piamente que precisava chegar ao topo e agora que lá está, ele contempla estarrecido uma paisagem doente, algo muito distante da Canaã de seus sonhos. O homem último se pergunta se de fato ele sonhou e sequer consegue chorar pois seu coração está seco.

O homem último tem poder, dinheiro e glória. Mas senteque nenhum dos três lhe pertence porque não foram por ele conquistados e sim pelos corpos da montanha. Ao homem último só restou o medo de sua própria ultimidade. O homem último teme a solidão mais que qualquer coisa e no entanto ela é sua única companhia, além da sombra e do escárnio da morte.

E é a sombra da morte que o homem último abraça nesta noite, sendo este seu último ato. O homem último se entrega a sua sombra derradeira no palco, a única casa que lhe restou dos muitos lares que destruiu. Orai por ele em seu leito de morte".

Abriu trêmulo um vidro que puxou de dentro do paletó e bebeu seu conteúdo. Caiu no chão em um acesso de tremores. A platéia prorrompeu em aplausos. E esperaram. E esperaram. E esperaram. Dez minutos depois, alguém fechou as cortinas.


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Desculpem mesmo pela demora para postar, estou péssimo com prazos ultimamente! Abraços a todos =D Fóssil.

Avesso do avesso


O ódio é confortante, ele aquece. Vagarosamente expande o calor pelos sentidos e instintos. Chega calmo e lento, como não quer nada. Aloja-se num canto, germina calado e mais que de repente amadurece em uma explosão pretensiosa, porém maliciosa. Ódio estrondoso não passa de uma exaltaçãozinha dos nervos, zanga de sentimentos mimados. Ódio, que é ódio, é discreto. Nenhum ego enfurecido explode inconseqüentemente. A verdadeira ira, a raiva sincera e pura, exige sagacidade pra ser saciada. Não basta jorrar insolências. É preciso recebê-las. O maior desejo do raivoso é gerar raiva, quem odeia não quer nada além de ser odiado.

O ódio consome. Suga toda energia possível. Desgaste. Cansa. Mata e morre, em cada segundo da sua existência. Alimenta, fortalece cada objetivo e enfraquece todos os objetos. É tão contraditório quanto sua aversão. Tão magnífico e enigmático quanto a afeição. Às vezes tem motivos, por vezes não. Uns passam como rajadas de vento. Outros fazem a curva e voltam pra onde vieram. Declarados ou camuflados. Retribuídos ou não. No fim das contas amor e ódio acabam por ser o mesmo ser, apenas caminham em sentidos contrários. Um é tão confortante e alucinante quanto o outro. Provocantes, envolventes e perturbadores quanto suas ausências. Quem ama saberá odiar, quem odeia já amou um dia. Logo, o ódio é a maior prova de amor..

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Talvez muitos não concordem comigo, mas cheguei a essa conclusão ontem. Tanta gente escreve sobre amor e não percebe como o ódio é tão magnífico quanto. Mas não aquela raiva passageira, to falando do ódio de verdade, que se sente la no fundo. Poucas pessoas ja sentiram isso, assim como poucas amaram sinceramente. É fácil confundir gostar e amar, raiva com odio, mas quem ja sentiu essas duas coisas sabe a diferença. Talvez eu ja teha sentido, talvez nao. Quem sabe eu so nao sou mais uma confusa? Mas no meio da minha confusao acabei chegando nessa conlusão.

Ah espero que vcs tenham gostado das novidades do Casulo...ele ta se desenvolvendo aos pouquinhos =) A gente aguarda comentarios, opiniões! Tanto dos textos quanto dos editorias que estão por vir. Como o Fóssil ja disse os posts ficram as sextas, a partir da semana que vem a gente regula tudo. Beijão pessoas!

Fábula do assoprador e da tecelã


Escurecera, mas não fazia diferença porque antes já não conseguia ver o fim da estrada. Ela apenas estava nela e seguia andando. Andara por horas e não tinha mais certeza de que porque estava ali ou para onde ia, e o lenço rendado que usava pra enxugar o suor estava empapado. Não havia ninguém para pedir informações. Mas e daí? Ela não sabia aonde ia. Estava pensando sandices... Era a noite escura, que ficava mais escura, rapidamente e aos poucos. Ouviu uma voz resmungando e sentiu medo junto com uma curiosidade infantil.
Era um homem numa escada americana daquelas em V. Era uma escada alta e ele soprava num cano muito longo, tanto que ela nem podia ver o final. O cano apontava pro céu e a cada vez que ele soprava, fazendo um barulho engraçado, a noite ficava mais escura – ou assim parecia à moça. Apesar da cara de rabugento do homem, ela se aproximou:
- O que o senhor está fazendo?
- Estou apagando as estrelas – grunhiu.
A resposta espantou-a, mas lembrou-se da sensação que teve de que os sopros dele deixavam a noite mais escura. Ergueu a cabeça e comprovou que os pontinhos lá em cima se apagavam a cada sopro.
- Mas por que o senhor quer apagar as estrelas?
- Elas me incomodam – respondeu, impaciente – A claridade delas, quero dizer. Não me deixam dormir em paz.
- As estrelas clareiam a noite! Elas nos guiam!
- Clareiam demais. E se você precisa de guia, arranje uma bússola.
- E você quer apagar todas?
- Evidentemente! Venho desde o começo da estrada até aqui e todas as noites monto acampamento. Eu praticamente não tenho descansado. Trabalho muito pelo bem de todos.
- De todos? Como assim? Quem lhe deu esse direito?
- Minha filha, sou um homem de negócios! Tenho dinheiro e tenho sono e meu sono vale ouro. Isso me deu o direito. Então pare de me perturbar e deixe-me trabalhar em paz. O mundo será bem melhor sem esses vaga-lumes gigantes.
Assustada, a moça foi embora. Assustada e entristecida. Como alguém podia ter uma idéia daquelas? Ela correu, queria se afastar daquele homem que fabricava trevas. Quando já estava arfante, reparou que a noite tornava a clarear. Coisa estranha! O homem não disse que já havia passado por ali? Andou mais e escutou uma voz cantando.
Era uma mulher sentada no tear. A viajante dessa vez, por algum motivo, não sentiu medo (talvez porque canções sejam bem mais atrativas que resmungos). Aproximou-se. Tinha o rosto cansado e as mãos calejadas, mas era tão bela... estava sentada em um tear fiando... fiando... luz? Tecia um fio dourado que se enrolava em uma bola e subia, subia, subia, até alcançar o céu.
“Estrelas! Ela está tecendo estrelas!”.
Aproximou-se da tecelã. Ainda não tinha visto a moça, mas assim que desviou o rosto para ela, parou de cantar. A voz dela ainda era macia, embora pálida, quando ela falou:
- Boa noite. Perdida?
- Estou andando meio sem rumo... acho que isso poderia se chamar de estar perdida... estou nessa estrada, mas não tenho muita certeza de para onde vou ou o que farei.
A tecelã sorriu: - É normal. Essa estrada confunde todos.
- Escuta, você está tecendo estrelas?
- Sim, estou. Por quê?
- Vi um homem na estrada que as estava apagando.
A mulher baixou a cabeça, triste.
- É verdade. Há muitos deles por aí. Não entendo como podem se incomodar com as estrelas. É por isso que eu teço. Precisamos de mais estrelas, ainda mais com esses seres por aí.
- E como você consegue isso?
- O tear é feito das minhas lágrimas. A agulha, do meu suor. A linha, dos meus sonhos.
A viajante olhou maravilhada para o trabalho da tecelã. Era difícil. As estrelas demoravam a ficar prontas; com certeza, o homem conseguia apaga-las a uma velocidade bem maior. E ela se furava a todo momento com a agulha. Mas as linhas das estrelas em que seu sangue pingava ficavam ainda mais bonitas e brilhantes.
De repente, a moça entendeu que sua caminhada não fazia sentido. Que tudo o que fizera ali era inútil, perto do que aquela mulher fazia ali. Andara tanto e para quê? Só conseguiu fugir com medo do homem que fazia escuridão e ficar ali contemplando a mulher que tecia luz. O sentimento de derrota que sentiu foi tão grande que sentou-se ali mesmo no chão e chorou.
- Por que você chora, minha querida? – disse a tecelã.
- Porque eu estava assustada e com medo e tão preocupada em continuar minha estrada que não procurei trazer as estrelas de volta.
- Não é tarde. Olhe.
A viajante ergueu os olhos. Um tear, o seu tear, esperava ao lado da tecelã. Ela remexeu os bolsos e encontrou o lenço que usava pra enxugar o suor e havia agulhas nele. E viu que o carretel estava cheio da linha azul dos seus sonhos.
Ela sentou-se no tear. E ela e a mulher teceram estrelas e mais estrelas, noites e noites afora, na estrada sem fim...
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Relendo esse texto agora, fiquei até espantado. Ele surgiu completamente do nada, mas diz muito sobre mim. Perdoem-me pela infantilidade dele. Parece que quanto mais sincero eu sou num texto, mais fracos eles ficam haha
Falando agora do nosso (bem , pelo menos é meu =P) amado Casulo! Estamos fazendo algumas reformas estruturais, afinal é um ano de blog, cara! Então estamos inaugurando novas seções e abandonando velhas. Finalmente, os perfis estão no ar! E também estamos inaugurando a seção "Editorial", um espaço pra escrevermos nossas opiniões sobre qualquer assunto (veja bem, QUALQUER) e ficarmos mais próximos dos leitores. Embora não seja um post regular, essa seção trará novos textos a cada semana, no mesmo dia do post e agradeceríamos muito se vocês comentassem também nos comentários do texto da semana sobre o editorial. O Editorial e o Post serão feitos em regime de alternância. Exemplo: se eu estiver postando, o Editorial será do Feto. E as postagens agora serão feitas às sextas. Pelo menos, é isso que pretendemos. Se houverem semanas em que isso não for possível, paciência.
Como podem ver, de início, estou postando no domingo. E o editorial também é meu. Bom, começamos com uma exceção XD
Até mais ver, leitores! o/

...


A vida é finita. Ela acaba todos os dias, mas nossa ingênua existência persiste em não aceitar o ponto final que crava em nossos olhos o ser admensional da dor. Ser que faz sangrar nossa fé, até nossa ilusão ser diluída em lágrimas amargas de incertezas.


Pra onde vai o sorriso? Queria mais uma vez a face exuberante do teu cantar, mas a fúria cega da minha revolta não me deixa sonhar meus sonhos e muito menos superar meus pesadelos reais. Queria poder arrancar teu corpo do gelo crucial da inércia, reanimar tua alma, reanimar um sorriso sincero. Pórem os músculos dessa face impedem um límpido movimento de felicidade.
Sinto falta do mundo que ja partiu. E medo de partir.
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Tinha esquecido desse texto. Ele ja tem mais de dois anos, tava perdido por aqui.
Feito pro meu tio Paulo, meu saudoso tio.
Esse Meme de Carlos me deixou chocada shuahsusa. Mil e uma revelações. Não sabia desse passado negro do velho hahahaha.
Bjao =]

Meme

Mais um Meme proposto pela Gerusa, dessa vez muito mais lascativo. Tenho que contar 7 (deduzi isso, Gerusa!) pequenos segredos. Vai ser difícil porque acho que muitos leitores do blog (leia-se, amigos meus) já conhecem a maioria. Mas vamos lá:

1 - Fico deprimido depois de festas. Quanto mais eu gostar das pessoas que lá estiverem e quanto melhor for a festa, mais deprimido eu fico. Doidice!

2 - Sou falso, mentiroso, burro, tenho dificuldades enormes em fazer análises e interpretações (sabe aqueles best-sellers importados prontos pra serem consumidos? Já li a maioria! masnão "Crepúsculo", aí é baixar demais ¬¬") (só pra constar: Harry Potter pra mim não é um desses best-sellers semi-prontos! ¬¬). Mas acho que finjo muito bem porque quase ninguém acredita nisso. Espero que dessa vez eu convença alguém =]

3 - Eu era fã de Sandy e Júnior (putaquepariu, meu passado me condena). "Fã", mas só tive dois cds, e um era daquela série Millenium. Indabem XD Mas depois eu virei fã de Avril Lavigne, Evanescence (até que eu gosto mais ou menos das duas coisas hoje, mas é mais por uma questão de saudosismo; agora, tem coisas que eu gostava naquela época que hoje me são intragáveis. Exemplo? Linkin Park ¬¬").

4 - Não sou praticante em nada: religião, política, música... ou seja, segundo Seoane, um dos meus mestres em piadas péssimas: "tu, praticamente, ...."

5 - Já tive diarréia no colégio. Foi horrível T.T

6 - De vez em quando eu perco devaneando um monte de coisas sem noção. Uma delas que é recorrente é como seria minha vida como herói, desses de anime. Até hoje tenho esperança de um dia descobrir poderes que eu ainda não conheço.

7 - O significado do meu email dos 13 anos: cjhpsccaleha > cj = carlos josé; hp = harry potter; scc = sakura card captors; al = avril lavigne; e = evanescence; ha = holy avenger. E olha que depois eu queria acrescentar cdzn (cavaleiros do zodíaco e nightwish) mas nunca o fiz. Lastimável, né? XD

Podem responder a esse Meme (no comentário ou em seus blogs): Caio, Anau, Gabi, Angela, Alanna. Ou quem mais se interessar =] Falou!

Ah! Decidimos cancelar o concurso para novo layout. Alguns leitores (ok, só Caio) me disseram que o layout atual já está perfeito e que se mudar vai ser um merdelê só. Eu e Márcia concordamos e agora só o da logomarca está mantido. ^^ Arbaços e feliz aniversário pro Casulo! Obrigado a todos que nos lêem (vai lá, falou o pop ¬¬").

PARABÉNS PRA VOCÊ...



Post Número Zero =]

Bom, esse primeiro post é só pro blog não ficar vazio até nós decidirmos o que postar nele \o/A criação do blog foi uma iniciativa do Feto, vulgo Márcia, para nós postarmos os nossos textos para amigos, inimigos e quem mais se interessar em ver. E também uma forma de nós trocarmos textos agora que eu saí da escola (e ela vai se matar com o terceiro ano XD).Justamente porque a Márcia ainda está na escola, é provável que eu vá postar mais que ela. A proposta inicial é postar somente textos nossos, mas se der na telha, podemos postar qualquer coisa =D. Então sejam legais e leiam e comentem depois ^^.
Por enquanto é isso, esse é o post nº0. Aguardem o primeiro post!Valeu!
Carlos, o Velho(não gosto dessa alcunha =P)

"Tinta a escorrer,
idéias a jorrar;
Poesia é gardenal"(verso de poema que fiz numa aula chata =])
(só pro post não passar em branco =])
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Post Número 39 =]

Bom, esse trigésimo nono post é só pra festejar o primeiro ano do nosso enclausurado Casulo! A criação do blog foi uma iniciativa de dois seres deslumbrados por letras. Escritas, lidas, ditas, cantadas e além de tudo pensadas. Feto, vulgo Márcia e Fóssil, vulgo Carlos José. Isso para que possamos compartilhar nossas mentes com aqueles que gostam de perder tempo pensando. O que pode não ser motivo de perda, dependendo do que foi pensado. E também para mantermos nossa amizade efetivamente viva e não restrita a mensagens em datas comemorativas ou encontros por acaso. Podemos nos ver muito raramente, mas duvido que alguém nos tem visto mais do que nos vemos por nossos textos. Agora o Velho virou veterano e eu virei vagabunda (shuahsa, de ferias e esperando o resultado do vestibular). Agora a proposta é fortalecer ainda bem esse vínculo, escrever mais, postar mais, publicar mais, se dedicar mais. Portanto a gente agradece exorbitantemente todos os comentários que acompanharam nossas humildes publicações e continuamos a pedir que "sejam legais, leiam e comentem depois" ^^.

Obs1: Não sei se as pessoas perceberam as novidades na coluna ao lado. Deem uma olhada la =P Tem enquetes para serem respondidas e o Quadro Negro (ou Espaço em Branco) traz algumas notícias importante hahaha.

Obs2: Pensei em terminar o post com um poeminha legal como o do Fóssil no primeiro post...Mas sou péssima pra poemas, seria uma forma horrível de começar o novo ano do Casulo.
Beijão pessoas!!!!

Um chão em um divã

Hoje eu acordei diferente. Meio sem destino, sem um rumo pra seguir. Olhei pro quarto e até me espantei com o seu estado catastrófico. Que zona! Pensei. Como deixei isso chegar a esse ponto? Logo eu que abomino bagunça, sujeira e derivados. Logo eu que sempre planejo meus dias com séculos de antecedência. Logo eu!

Demorei um pouco até criar coragem suficiente pra enfrentar o batalhão de desordem a minha frente. Levantei tonta e cambaleando cheguei ao banheiro, escovei os dentes, lavei o rosto com sabonete líquido lavanda (muito agradável por sinal), prendi os cabelos terrivelmente inchados e voltei pro quarto. Era uma grande batalha, mas tava na hora de voltar pra mim. Chega de fingir que é possível tirar férias de si mesmo. Comecei pelos lençóis embolados aos montes na cama. Cesto de roupa suja. Colchas novas. Poeira pra fora. Dobrar roupa por roupa. Duas gavetas de blusas, outra de shorts, a quarta pra saias, a de baixo pra peças íntimas e a última de roupas inúteis futuramente doadas. Cada móvel, cada artefato dos meus dias, cada livro, cada lembrança... Limpos um por um, minuciosamente.


Joguei meu corpo exausto ao pé da cama. O chão me parece um ótimo transmissor de calma. Assim como o teto me transmite sabedoria. Vai entender! Cada um vê o mundo como pode. Mas não tenho o costume de ver o quarto por este ângulo. Estranho. Por trás dos meus óculos manchados só consigo perceber as revistas empilhadas na estante, a janelinha fechada (por onde deveria entrar rajadas de vento frio), o tapete preto e branco, o lixeiro lotado de borrões com cálculos e reclamações e lá no canto mais distante a tarraxa brilhante que eu tanto procurei. Fazia tempo que não tinha tempo para mudar meus costumes.


Nunca tinha reparado na minha mania de revistas guardadas e não lidas, nem o quanto o vento acalma, como o tapete é macio, o quanto preciso de árvores e o precioso tempo que perco procurando coisas que não preciso achar. Fazia tempo que não tinha tempo de reparar nas coisas. É sempre assim, momentos de euforia continuamente são seguidos por momentos de nostalgia. É o que propicia equilíbrio ao mundo. Alguém precisa chorar pra outro alguém ter motivos pra sorrir. A totalidade não passa de deslumbramentos, e fascínios não podem ser tocados, apenas cobiçados.

Ao tocar a tarraxa entre os dedos roídos, mal pude sentir sua existência apática e miúda, confrontada a sua dinâmica utilidade. Mas não pude deixar de perceber a ferrugem em sua volta, a oxidação explicada pelos papéis amassados no lixeiro, agora a sua inutilidade. Chega de fingir que o ócio inútil pode ser útil. Chega de fingir que descansar da vida serve pra se viver melhor. Chega de desculpas pra mania de perder tempo, a maciez do vento, a perda do momento, Quero a vista do mundo pela janelinha fechada, quero empilhar os papéis esquecidos, ler a essência dinâmica do fato de ser. É uma grande batalha, mas ta na hora de voltar pra mim
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Ahh, quanto tempo =P
Bem, esse texto surgiu no auge de uma crise pré-vestibular. Mas agora que o vestibular passou, acho que realmente chegou a hora de voltar pra mim e pro que eu gosto realmente de fazer. Ele é bem informal, não me preocupei com regras gramaticais e tal. Simples. Pq as vezes a complexidade tb cansa.
O velho ta numa boa viajando, eu to de ferias... Ta tudo lindo shauhsa. Muito bom! Mas depois que ele voltar teremos algumas breves novidades por aqui... Afinal o Casulo vai fazer aniversário! Então ate mais pessoas, voltem sempre =D

Um Delírio


Era um lugar lindo, tanto que só podia ter saído de um delírio. Eles pararam extasiados diante das flores de tantas cores, do capim alto e verde, de tanto vento, de tanta vida de uma vez só.
- Vamos correr?
- Quer brincar de alguma coisa?
- Não, só quero correr. Vamos!
E saiu em disparada pelo campo. Ela, que já estava acostumada às loucuras dele, apenas sorriu e o acompanhou na corrida.
Corriam rápido e sem pressa, amassando a vegetação ou ocasionais e azarados insetos que passassem debaixo dos pés. Corriam sem nenhuma linha de chegada, sem um percurso a cumprir, em círculos ou outra forma qualquer. Corriam pelo único motivo que se deveria correr, para sugar todo aquele ar puro, para abarrotar os pulmões com ele, para sentir o sol no rosto, para sentir cada músculo se esticando e vibrando e sentir essa vibração explodir nas gargalhadas que se espalhavam em seus rostos. Corriam para extravasar a alegria, aquela alegria intensa e cristalina, aquela alegria sem peso que os preenchia por estarem ali, naquele oásis de beleza, aquele oásis que não pertencia a ninguém e no entanto era só deles.
Quando caíram lado a lado no capim fofo, ainda riam. Conversaram longamente pelo tempo de um olhar e ele se apoiou em um cotovelo e beijou-a nos lábios.
- Por que isso, assim de repente?
- É que estou transbordando de felicidade e precisava te passar um pouco antes que derramasse. Felicidade não se estraga.
Ela, que já estava acostumada às loucuras dele, apenas sorriu e olhou pro céu. Naquele lugar sem tempo, era difícil dizer se era meio da manhã ou da tarde. Era certo, porém, que o sol nem nascia nem se punha. Mas ela nunca vira o sol mais bonito.


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Fiz esse texto domingo passado na prova do vestiba (fiquei morrendo de vergonha dos meus irmãos pegarem a prova pra corrigir e olharem o texto, mas é a vida...). Tá bem bobinho e curtinho ^^


De qualquer modo, eu queria desejar a melhor sorte do mundo aos meus amigos que vão fazer a prova da segunda etapa no domingo agora. Pessoal, vão com tudo que vocês merecem! Isso é pra ti também, Guria! "Detona essa prova nojenta!".


Ah, povo, o Casulo tá quase fazendo um ano de existência '\o/ Claro que eu e a Feto não vamos deixar a data passar em branco. Aguardem e verão.


That's all, folks!




Direito ao Delírio

de Eduardo Galeano


Está a nascer o novo milénio. Não dá para levar o assunto demasiado a sério: ao fim e ao cabo o ano 2001 dos cristãos é também o ano 1379 dos muçulmanos, o 5114 dos maias e o 5762 dos judeus. Além disso, o novo milénio nasce no primeiro de Janeiro por obra e graça de um capricho dos senadores romanos, que em determinada altura decidiram romper com a tradição que mandava celebrar o ano novo no começo de cada primavera.
A contagem dos anos da era cristã provém ainda de outro capricho: um belo dia o papa de Roma decidiu datar o nascimento de Jesus, mesmo que ninguém pudesse precisar então em que data tinha ele nascido. O tempo ri-se dos limites que inventamos para construirmos a ficção de que ele nos obedece, mas o mundo inteiro celebra e teme essa espécie de fronteira. Milénio vai, milénio vem, a ocasião é, assim, propícia para que oradores de inflamada verve possam perorar acerca do destino da humanidade, e para que os arautos da ira de Deus possam anunciar o fim do mundo. O tempo, esse, lá continua sossegado a sua caminhada ao longo da eternidade e do mistério. Verdade seja dita, porém, a uma data assim, por mais arbitrária que ela seja, não há quem resista, e ninguém escapa afinal à tentação de tentar saber como será o tempo que será.
Vá-se lá saber porém como será. Possuímos uma única certeza: no século vinte e um, ainda que possamos estar aqui, seremos todos gente do século passado e, pior ainda, seremos gente do passado milénio. Não podemos todavia tentar adivinhar o tempo que será sem que tenhamos, pelo menos, o direito de imaginar aquele que queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade não tem senão o direito de ver, de ouvir e de calar. Que tal se começássemos a exercer o nunca proclamado direito de sonhar? Que tal se delirásemos por um pouco? Vamos então lançar o olhar para lá da infâmia, tentando adivinhar outro mundo possível.No próximo milénio o ar estará limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das humanas paixões. Nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães. As pessoas não serão programadas por computador, nem compradas no supermercado, nem espiadas por televisor. O televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de engomar ou a máquina de lavar a roupa. As pessoas trabalharão para viver, em vez de viverem para trabalhar. Será incorporado nos códigos penais o delito de estupidez, que cometem todos aqueles que vivem para ter ou para ganhar, em vez de viverem apenas para viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca. Em nenhum país serão presos os jovens que se recusem a cumprir o serviço militar. Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas. Os cozinheiros deixarão de considerar que as lagostas gostam de ser cosidas vivas. Os historiadores deixarão de crer que existiram países que gostaram de ser invadidos. Os políticos não acreditarão mais que os pobres adoram comer promessas. A solenidade deixará de se julgar uma virtude e ninguém tomará a sério nada que não seja capaz de assumir. A morte e o dinheiro perderão os seus poderes mágicos, e nem por disfunção ou por acaso será possível transformar o canalha em cavalheiro virtuoso. Ninguém será considerado herói ou louco só porque faz aquilo que acredita ser justo, em vez de fazer aquilo que mais lhe convém. O mundo já não se encontrará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro caminho senão declarar a falência. A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão. As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua. Os meninos ricos não serão tratadas como se fossem dinheiro porque não existirão meninos ricos. A educação não será um privilégio apenas de quem possa pagá-la. A polícia não será a maldição daqueles que não podem comprá-la. A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas, voltarão a juntar-se, bem unidas ombro com ombro. Uma mulher, negra, será presidente do Brasil e outra mulher, negra também, será presidente dos Estados Unidos da América; uma mulher índia governará a Guatemala, e outra o Peru. Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque se negaram a esquecer em tempos de amnésia obrigatória. A Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento mandará festejar o corpo. A Igreja ditará também outro mandamento que havia sido esquecido: "Amarás a natureza, da qual fazes parte". E serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma.
Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são aqueles que desesperaram de tanto esperar e os que se perderam de tanto procurar. Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham desejo de justiça e desejo de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem que importem as fronteiras do mapa e do tempo. A perfeição continuará a ser o aborrecido privilégio dos deuses, mas, neste mundo imperfeito e exaltante, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.
Dez.99
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Dessa vez o texto não é nem do Fóssil nem da Feto. Eu fiquei de fazer essa 'postagem de Ano Novo' e resolvi não colocar um texto meu (resolvi do nada, eu ia, o texto tá até aqui...). Adoro esse texto aí em cima, já mostrei pra Márcia e acho que ele tem tudo a ver comigo. Isso porque eu sou um sonhador inveterado. E cada vez mais eu me convenço que preciso continuar sonhando e que nós somos feitos da matéria dos nossos sonhos e somos do tamanho daquilo que sonhamos. Com tantos choques e injeções de realidade, meus sonhos ainda não se desfizeram e eu diria que eles já não são mais castelos de areia. Eu espero que esses castelos continuem firmes onde estão pois é neles que eu me abrigo quando preciso de proteção.
CARA! 2008 passou tão rápido (ou serei eu que estou ficando velho demais, meu Deus?)! Esse foi um ano divisor de águas pra mim... pela primeira vez eu praticamente só tive incertezas na minha frente, pela primeira vez eu não tinha tudo planejado, pela primeira vez as coisas não estavam no meu controle. E a sensação disso é ótima... É como quando se salta de pára-quedas. A pessoa morre de medo e não quer ir, mas quando salta a sensação é maravilhosa (ou deve ser, nunca saltei). Eu tive medo. Mas já não tenho mais. Ou tenho, mas sei que posso enfrentá-lo.
Esse ano eu também descobri de novo algo além dessa história dos sonhos. Descobri de novo que as pessoas que amamos estão sempre conosco. Sair da escola pra mim representava perder a convivência diária com a minha segunda família. Quando entrei na faculdade, eu estranhava tudo e todos e tinha plena certeza de que não seria feliz ali como era com meus amigos. Mas que idiota que eu fui.
Descobri que a felicidade não é feita de pedra nem de metal. A felicidade não tem uma forma só e aparece tão disfarçada que às vezes deixamos passar. Minha busca incessante é segurá-la quando passar na minha frente. Mas só se pode fazer isso com o coração aberto. É perigoso: um coração aberto é também um coração exposto. É preciso cercar-se de outros corações que estarão prontos pra socorrer o seu se algo machucá-lo. Graças aos céus, eu tenho tido sorte em achar corações generosos assim.
E eu descobri que havia felicidade também aonde eu estava indo. Descobri que minha avó pode ter deixado nosso convívio, mas continua bem perto de nós. Descobri que minha segunda família pode ser maior ainda, mesmo que alguns membros não se conheçam. E tudo isso porque sonhei e porque meu coração estava aberto, esse coração que há muito tempo eu resolvi fechar.
E é por isso que tanto escrevi. Para agradecer a vocês, das minhas famílias, de tantos anos ou de tão poucos meses de convivência. É graças a vocês que minha cabeça hoje pulula de sonhos. E é graças a vocês que uma parte há muito fechada em meu coração se reabriu.


Feliz 2009! Muitos sonhos na cabeça e corações abertos pra felicidade chegar!