A morte e o vento


Para Adelaide Viana Pereira

Ventava muito naquela cidade, aqueles dias, pensou ela enquanto soprava o café. Ela o matara. Não sentia remorso ou medo. Sentia-se leve. Não sentia culpa, o que fizera foi pra se defender. Ninguém poderia culpá-la. Colocou mais um punhado de açúcar do pacote. Só usava esses açúcares em pacotes em lanchonetes. Ela o matara e sorria por isso. Louca, desvairada, psicopata. Ela matara o amor.
E descobriu que podia sobreviver. Ela se descobriu forte. Ela soube que era mais, descobriu-se totalmente diferente daquela que contara entre lágrimas para seus travesseiros, sem nunca falar. Ela que tanto ouvira "vai passar" e nunca acreditara, descobriu sozinha. Olha, passou. Um dia se viu no espelho e era outra. Gostou da outra. Resolveu se arrumar e trocou de pele. Deixou sua velha roupa e sua velha cabeça pra trás. Só não notou que com ele foi o amor.
Assustada, ela tentou colá-lo de volta. Que seria dela sem o amor, ela que tantas vezes havia dito que só tinha aquilo na vida? Mas não, o amor não queria colar nela. Queria sufocá-la, estrangulá-la. Ah, mas isso não. De novo não! Já lhe ferira demais. Pois ela resolveu matá-lo. Ficou parada, inerte, indiferente. Olhou em outra direção. O amor murchou, definhou, morreu. E ela sorriu vitoriosa.
Mas por quanto tempo? Saíra vitoriosa, mas valera a pena carregar tantas cicatrizes? Ela se descobriu outra, e não gostou dessa outra. Não parecia nada com ela essa outra que andava cabisbaixa. Aí ela resolveu ser mais outra e ergueu a cabeça.
E ela se descobriu outra quando ao erguer a cabeça, viu outro olhar.
Sorriu pro seu café de novo e bebeu-o todo de um só gole. Estava frio demais. Deixou o dinheiro no pires e saiu da lanchonete, atarefada que estava. Mas ao sair, deixou que o vento sacudisse seus cabelos. Como ventava naquela cidade ultimamente! Deixou a brisa levar tudo que ela já havia sido e sorriu. Descobrira um novo olhar, e olhou-se novamente com novos olhos. E ela se fez outra, e tão linda como nunca fora. Ela matara o amor, sem remorsos, porque sabia que o Amor, esse nunca morreria dentro dela. E saiu andando. Louca, desvairada, psicopata. E feliz, imensamente feliz, mais uma vez.

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Mais um texto com dedicatória. Que coisa, não? x) Amo-te, loira!