Ela levantou a cabeça e o encarou com aquele olhar intenso, típico de grandes amigos. Amigos inerentes, desde sempre. Eram incapazes de lembrar o dia que se viram pela primeira vez, eram pequenos demais pra isso. Cresceram juntos, ela sempre ali ao lado vivendo exclusivamente em função da espera, do momento que ele retornaria para casa, que lhe daria a atenção tão desejada. Os dois deitados no chão da sala, de barriga pra cima. O olhar nostálgico dele, típico de momentos de solidão, chamou-a em silêncio. Obediente, levantou e caminhou até seu dono, ergueu as patas dianteiras ao alcance da beirada da cama e encostou o focinho gelado nas mãos quentes do homem. Empurrou uma, duas, três vezes. Até que ele tivesse a reação esperada, acariciando o seu pêlo macio. Os dois haviam perdido pessoas importantes, as mais importantes. Ela muito provavelmente não sabia o que estava acontecendo, o porquê daquilo. Ele também não. Nunca estiveram tão próximos, nunca foram tão iguais. Deixando o copo que segurava apoiado em cima do criado-mudo, suspendeu a amiga pela barriga para cima da cama. Ela aconchegou-se nos braços dele. Ele aconchegou-se na inocente companhia dela. E lá ficaram os dois, com seus olhares vazios de sentido e cheios de lágrimas, até a dor passar.
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A Bia (o ser lindo e chamoso da foto) é um dos seres mais humanos que eu conheço! Então aqui fica um texto pras minhas pretas ( Bia, Foca e Tita). Cadelas da minha vida =D
Ah e outra coisa pessoas, queria pedir pra quem lê o blog comente, nem que seja um "eu leio" (viu ferpa? haha). É importante pra gente saber quem passa por aqui =)
Abração!

Labirinto


Havia medo nas unhas daquela mulher e ela as devorava na esperança também de triturar o pavor entre os molares. O veneno do medo, porém, só se entranhava mais. Era uma calda viscosa e amarga que ela sentia na língua, violava a sua garganta e gelava o estômago. E ela exalava o fedor do medo por todos os poros, o seu suor impregnado daquele cheiro acre que a embriagava. Tinha medo do que fizera, tinha medo do que faria.

O homem estava absorvido por aquele romance. Há tempos havia perdido a paciência para a televisão e precisava de algo que o distraísse depois de um dia exaustivo no escritório. Banho, jantar, pijama, poltrona reclinável de couro amarelo. Paraíso. Seria se o bebê não chorasse tanto. A mulher reclama que ele é um imprestável que não ajuda em anda. Como se engordar a conta bancária dela fosse pouco. O sexo costumeiro havia sido abandonado por causa do bebê, não era culpa dele – se bem que... - ele que pagava a camisola de dentro da qual ela confortavelmente pragueja contra ele. E era de seda.
Podia se dar ao luxo de gastar a noite consigo mesmo, descansando do seu trabalho fatigante, se a mulher podia se dar ao luxo mais exorbitante de fazer sumirem rios caudalosos de seu dinheiro em poucos dias. Ela enchia o exterior de supérfluos, ele o interior. Ora essa.
Certas histórias bobas tem magia. Ele sempre desprezara Agatha Christie e Stephen King, mas aquele romance... podia sentir nos dedos as poucas páginas que faltavam, mas ele não podia acreditar que ia terminar assim... a mulher acabara de assassinar seu filho, sufocando-o com o travesseiro e se dirigia ao revólver do gaveteiro. Porque ela fizera aquilo ele não sabia compreender. Louca, pressupunha. Uma história boba, mas as tintas melodramáticas que o autor usava para pintar as cenas tornava-as atrativas demais para que ele desviasse o olhar delas.

A mulher pegou o revólver. O coração ela podia sentir tentando sair pela garganta, tolhendo-lhe a respiração. As mãos não tremiam, mas pelas unhas devoradas ainda escorria medo. Mas ela sabia que precisava seguir. Pôs uma das mãos na maçaneta, segurando a arma com força na outra. Girou o trinco. Podia ver a ponta da cabeça dele por cima da poltrona reclinável de couro amarelo.

O homem virou-se assustado. Da porta do quarto do filho, a mulher encarava-o. Havia medo em seus olhos. Havia um revólver em suas mãos.
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Hoje estou dividido. Há uma intensa alegria em mim, mas também uma imensa revolta. A revolta, creio que bem obviamente, é por nossa nova velha governadora, Roseana Sarney. Mas não falarei disso agora. É algo de que pretendo falar em um futuro editorial.
Mas tô feliz por causa do show do Monobloco! ^^ Sei que muita gente vai achar que eu sou um alienado por isso. Não sabem o quanto me fez bem, o quão lavada minha alma saiu daquela Batuque nesta madrugada se sexta para sábado! E eu que achava que ia sozinho ainda tive companhias especialíssimas, especialmente de Juliana e Thaís - desde o começo até o último suspiro dos tambores. Feliz eu sou com vocês, como diria o Mestre Yoda xD

Merdas à parte, boa noite pra todo mundo!
(cara, Feto, esse é um dos únicos blogs que eu conheço que as pessoas colocam essas coisas toscas depois do texto. Mas fazer o que se a gente é tosco mesmo... o/)
Abraços.

O que no início era um armazém de esquina e sem importância se converteu no maior e mais requisitado mercado mundial. Quem um dia foi tachado de louco, trapaceiro e macumbeiro virou o mais famoso cientista que a terra já conheceu. O que era apenas uma crença de família, passada de pai pra filho há séculos, um costume caseiro e dogmático transformou o rumo da história. Onde antes se vendiam verduras, frutas e enlatados, hoje se encontrava prateleiras repletas de pacotinhos intitulados com os mais variados sentimentos. Exatamente. Carrinhos lotados de orgulho, de amor com uma pitadinha de ciúmes. Uma senhora, velha demais pra perder tempo procurando, decide comprar algumas paixões. Pega uns pacotinhos vermelho-sangue, de 100g cada e discretamente põe embaixo dos demais produtos na cesta. Agora é só presentear alguém do seu interesse e esperar.

Era dia de promoção e o lugar estava congestionado. “São 3000 kg de sorte, embrulhar para presente, por favor.” “Queremos 246g de amizade, em seis fatias”. “Moça, quanto ta custando a auto-estima?”

Os porões das casas estocavam o máximo de emoções possíveis. Caixas e mais caixas de sucesso eram encomendadas. O serviço de telemarketing atendia 24 horas por dia, 365 dias ao ano.
- Sentimentos Cia, bom dia.
- Alô, gostaria de fazer uma encomenda.
- Qual o seu pedido?
- São 5000 Kg de paz e 3000 litros de compaixão. Vocês fazem entrega para o exterior?
- Fazemos sim. Vou passá-la para a linha de exportação. La a senhora poderá solicitar sua encomenda e mandá-la para onde quiser.

Filas descomunais esperavam por produtos escassos.
- 765g de coragem, 600g de ódio e 350g de desumanidade, é hoje que pego aqueles dois desgraçados.
- Desculpe senhor, mas não vendemos esse tipo de mercadoria. Apenas sentimentos virtuosos são comercializados neste estabelecimento.

O homem descabelado deixou aparecer discretamente o bolo de notas azuis dentro de sua jaqueta e a vendedora, mais discretamente ainda, deu-lhe um cartão com um número de telefone. O homem pegou o cartão e se dirigiu para a saída, ligaria mais tarde para pegar a mercadoria em um local combinado. Um local seguro. O contrabando de sentimentos julgados tortuosos era censurado, sujeito a pena de morte. Mas nada que impedisse o comércio paralelo dos mesmos. Ainda tentou-se ocultar o método tradicional de capturar os sentimentos e transformá-los em matéria. Era tudo separado por tipo e intensidade. Pela cor, textura e estado. Mas esconder o processo não foi possível. O método foi logo descoberto, desmembrado, multiplicado, desenvolvido. Pessoas felizes demais começaram a desaparecer, voltando apáticas demais para se expressar. Demonstrar amor em público? Que absurdo! E antes que alguém percebesse o vetor da censura se desviara, sentimentos virtuosos viraram luxo e perigo.

“Tio, dá um trocado pra eu comprar tiquinho de felicidade aí.” “Vai procurar trabalhar moleque!” Respondeu o homem que tinha acabado de comprar um pacote de carinho, mas que tinha esquecido em cima do balcão. Esquecer era a única ação que ninguém esquecia de fazer.
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Isso deveria ser um editorial, mas acabei me empolgando hehe.
Depois que terminei de escrever que percebi que no fundo a gente compra e vende nossos sentidos todo dia, traduz cada sentir nosso em matéria...Como se isso fosse possível.
Bjao =)

O último ato do Homem das Mil Máscaras


O teatro estava lotado, mas não era à toa. O rapaz era um prodígio. Daqueles que fazia com que qualquer um pudesse dar uma de crítico dizendo "ele tem talento!" sem medo de errar. Ainda assim, anunciara que aquela seria a sua última apresentação. Claro, poucos levaram isso a sério. Afinal, tantos artistas anunciam uma última aparição antes de voltar alguns anos depois e além disso ele era tão novo... ninguém duvidava que seria uma pena se ele resolvesse realmente abandonar os palcos assim.

O ator esbanjava talento em sua suposta última peça, uma obra chamada "O Homem das Mil Máscaras", um monólogo que ainda por cima era escrito e dirigido por ele mesmo! Cada ato da peça conduzia a uma face do ser humano - como explicava o prospecto - e a platéia passeava extasiada por tantas variações de suas próprias personalidades que reconheciam ali encenadas. Uma obra que já nascera clássica.

Os atos se seguiam: o Engraçado, o Louco, o Bobo, o Falso, o Trabalhador, o Entristecido, o Maldito, o Encolerizado, o Amante. Eram atos curtos e fulminantes. Em cada um, o ator usara máscaras ou maquiagens bem caricatas para representar o personagem que queria. Só faltava mais um; no prospecto lia-se "o homem último". Isso não dizia tanto quanto os nomes dos atos anteriores e a platéia se remexia em polvorosa ante a proximidade do tal último ato. E as cortinas se abriram... para a surpresa de todos, o rapaz apareceu sem máscaras:

- Boa noite, senhoras e senhores. Espero que estejam confortáveis em seus assentos. Peço perdão se os fiz esperar: eis-me aqui, o homem último.

"No homem último, não se permitem máscaras, pois todas elas caíram. O homem último não esconde suas dores, suas alegrias ou sua indiferença atrás de rostos falsos. O homem último é o mais humano dos homens e contudo conseguiu superar tudo que o liga à humanidade.

Pois eis-me aqui, senhores: sou eu o homem último! Fui eu quem restou de todos que eu tinha ao meu lado. Envergonho-me de dizer que nada foi tirado de mim: eu que arranquei tudo e joguei fora. Eu representei e esqueci de sair do papel depois. Faz muito tempo que não sou eu. Nem sei se ainda posso ser. Sei que sou o homem último, mas ele não sou eu.

O homem último se vê no alto de uma montanha de corpos que ele escalou con sapatos de sola de ferro, sem piedade. Ele acreditava piamente que precisava chegar ao topo e agora que lá está, ele contempla estarrecido uma paisagem doente, algo muito distante da Canaã de seus sonhos. O homem último se pergunta se de fato ele sonhou e sequer consegue chorar pois seu coração está seco.

O homem último tem poder, dinheiro e glória. Mas senteque nenhum dos três lhe pertence porque não foram por ele conquistados e sim pelos corpos da montanha. Ao homem último só restou o medo de sua própria ultimidade. O homem último teme a solidão mais que qualquer coisa e no entanto ela é sua única companhia, além da sombra e do escárnio da morte.

E é a sombra da morte que o homem último abraça nesta noite, sendo este seu último ato. O homem último se entrega a sua sombra derradeira no palco, a única casa que lhe restou dos muitos lares que destruiu. Orai por ele em seu leito de morte".

Abriu trêmulo um vidro que puxou de dentro do paletó e bebeu seu conteúdo. Caiu no chão em um acesso de tremores. A platéia prorrompeu em aplausos. E esperaram. E esperaram. E esperaram. Dez minutos depois, alguém fechou as cortinas.


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Desculpem mesmo pela demora para postar, estou péssimo com prazos ultimamente! Abraços a todos =D Fóssil.