"Mas é claro que o sol vai voltar amanhã. Mais uma vez, eu sei."

Hoje vou inverter as coisas... Esse texto surgiu de uma conversa nostálgica com minha irmã. E ele foi feito integralmente pra ela, Jéssica Braga Monteiro. Só uma forma singela de agradecer todos os sois que ela me proporcionou nesses dez anos de amizade.
Desculpem por ele ser longo demais...hehe.
Bjão pessoas.

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As duas senhoras andavam vagarosamente, não se sabe ao certo se por não terem condições de caminhar mais depressa ou se queriam prolongar ao máximo aqueles passos. Passaram um bom tempo caladas, apenas contemplando o rugido do mar e sentindo a companhia uma da outra. Mais a frente decidiram, ainda em silêncio, sentar-se num banco de madeira para apreciarem o sol, agora se pondo. Até que uma delas, a mais magra, decidiu romper o silêncio:
- Quantas vezes vimos o nascer e o poente do sol juntas?
- Inúmeras. - Sorriu a outra.
Naquele dia o sol decidiu esconder-se sob uma mancha laranja turquesa com gosto de suco de laranja. E não me venham dizer que laranja turquesa não existe e que cores não tem gosto. Naquele dia ela existiu e naquele domingo o gosto do suco das manhãs de sábado foram sentidos. Gosto de infância.
Não posso afirmar que todos o viram ou puderam sentir seu sabor, mas as duas velhas ali sentadas conheciam bem aquele pôr-do-sol, não era o fim do mundo como pensaram há muitos anos. Era apenas uma graça que o céu havia lhes oferecido mais uma vez.
Da calmaria da velhice emergiu a euforia de outros tempos e suas pernas antes tão censuradas arrastaram-nas sobre a areia. O mar em bonança deu lugar a ondas intermináveis. As mãos não mais enrugadas, as vestes não mais ajuizadas, seus cabelos em tom juvenil, o tempo em regressão.
As duas meninas correram em um impulso, tão rápido que ameaçavam cair em desequilíbrio que era restaurado pelas mãos da outra. E o vento cortante! Aquela deliciosa sensação de liberdade eterna! De poder irrestrito! De felicidade latente, daquelas que pulsa ate escapar pelos olhos. Sem falar do encontro com as águas, a chuva feita pelas mãos e pelos chutes nas ondas. Delirante euforia de outros tempos. Depois o frio. Deitadas de “papos pro ar” puderam roubar o calor da terra e surpreenderam-se com som vindo do além. As melodias que acalentavam suas conversas intermináveis. Assuntos que pendiam do vizinho à Vênus, do amendoim a Deus, do riso ao choro, dos dez anos passados aos dez futuros. E por fim a pergunta que nunca quis calar:
- Como que a gente começou a falar disso mesmo?
Lágrimas correram simultaneamente nos rostos das mulheres. Gotas tão calmas e saborosas como pingos dos chuviscos tomados na porta de casa. Tão lentas quanto as tardes e tardes nas quais não se tinha nada pra fazer. Tão densas quanto as risadas extravagantes abafadas pelo travesseiro no meio das noites. Tão salgadas quanto o mar. Tão sincronizadas quanto as danças sem compasso. Tão saudosas quanto os devaneios de criança.
- Quantas vezes mais veremos o nascer e o poente do sol juntas?
- Inúmeras. - Sorriu a outra.

Os moinhos de Dom Quixote

- Pai!
Não devia ser o primeiro, mas era de tal forma prolongado que ele não saberia dizer onde terminava um grito e começava outro. O menino berrava a plenos pulmões... e que pulmões tinha ele! O homem correu vendo o rosto assustado da mulher e chegou ao quarto do filho escancarando a porta e ligando a luz:
- O que foi?!
- E-eu... tive um sonho ruim.
Um alívio percorreu todo o corpo do homem. Preparou-se para ir embora, dizendo ao garoto:
- Não é nada, foi só um sonho. Vai dormir, vai.
- Pai, espera! Será que o senhor... poderia dormir comigo?
O pai encarou o filho, incrédulo:
- Que história é essa, agora? Tamanho marmanjo... sete anos, já! Eu não vou alimentar essa bobagem, moleque.
- Então o senhor pode olhar embaixo da cama? – e sussurrou – É que tem monstros lá.
- Minhas costas doem quando eu me abaixo, não faço isso a não ser que seja estritamente necessário – respondeu o pai, irredutível – Vai dormir.
- O senhor também tem medo dos monstros? – indagou o menino, ainda num sussurro.
- Não! – disse o pai já aborrecido – Monstros não existem! Vai dormir!
Rodou nos calcanhares para ir embora e quando sua mão chegou ao interruptor, o menino gritou:
- Pai!
Ele olhou para o filho, que disse:
- Então deixa a luz ligada?
O homem perdeu a cabeça:
- Não!
- Mas, os monstros...
- NÃO EXISTE MONSTRO PORCARIA NENHUMA! VAI DORMIR!
E desligou a luz.
"Não posso passar a mão na cabeça dele", pensava o homem enquanto andava pelo corredor escuro. Não iria criar nenhum frouxo ou pior, um boiola! Medo do escuro? Monstros? Quanta merda de uma vez!
- Não era nada – disse à mulher ao se deitar.
Lembrou-se de seu finado pai. Nunca lhe fizera acreditar no Coelhinho da Páscoa, Fada do Dente, Papai Noel, nada. Desde pequeno aprendera o que era a vida, a crueldade e a dureza da realidade. Fadas e monstros não existem. Só existe o sangue, o suor e as lágrimas. Era preciso trabalhar, muito, o dia todo, para depois cair na cama exausto e dormir sem sonhar.
Mas ele sonhava... se não conseguia sonhar à noite, sonhava acordado. Com o pó de giz flutuando na escola, na enxada que sulcava a terra na lavoura, vendo a manteiga derreter no pão quente à mesa do café. Levou tempo para que matasse essas quimeras. Era difícil contê-las com as aulas de literatura na escola, que incentivavam as recaídas. Aos 10 anos ele achava que já as havia controlado. Foi quando a professora pediu que ele lesse Dom Quixote.
Era um livro grosso, sem figuras e o menino chiou quando a professora lhe entregou aquele trambolho no meio da biblioteca pública. "Eu não vou ler isso tudo!". A mulher sorriu: "Dê uma chance ao livro. Você tem o tempo que quiser. Se mesmo assim não gostar, pode trazê-lo de volta e deixá-lo aí".
O menino podia não ser o mais voraz dos leitores, mas nunca recusava um desafio. E foi um desafio. Tropeçando na linguagem de Cervantes, vencendo cada página com grande esforço, ler aquilo parecia um sacrifício. A sua professora, porém, era sábia. Explicava as palavras complicadas e ás vezes pedia que ele recontasse o que lia com suas próprias palavras, ajudando-o sempre que precisava.
Em pouco tempo, ele já cavalgava em Rocinante com Dom Quixote. Conhecia Sancho Pança e Dulcinéia como amigos. Transformava calangos em dragões, filetes de água em rios tortuosos e um dia... um dia encontrou o moinho.
Ele não sabia que aquela estranha construção se chamava moinho de vento. Tão logo descobriu, contudo, os moinhos deixaram de ser moinhos para se tornarem gigantes. Em uma tarde, ele colocou um balde virado na cabeça, armou-se com uma vassoura e partiu para o moinho.
Na lavoura, o pai estranhou a demora do filho. Voltou em casa e a mulher lhe contou que o menino saíra com uma vassoura e um balde, provavelmente iria limpar algo. Inconformado com tal explicação, o homem saiu a indagar nas redondezas e findou por achar o moleque a atacar a base do moinho com a vassoura.
- Que diabo está acontecendo aqui?
O sangue do menino gelou
- Estou brincando, pai. Fingindo que o moinho é um gigante...
O rapaz praticamente não terminou a frase. De um safanão, o pai fez o balde voar longe e arrancando a vassoura da mão dele, começou a bater com ela nas costas do filho:
- Essas...porcarias...não...existem! – agarrou a orelha do menino e fez com que ele voltasse o rosto para o moinho – Me diz o que você vê aqui! Anda, me diz!
- Ai...um moinho.
- Quê?!
- Um moinho!
- Um moinho, não um gigante moleque! Agora, se eu te pegar com essas loucuras de novo eu te dou a maior surra da sua vida. E vamos pra roça, anda!
Com as costas e a dignidade doloridas, o menino caminhou. Haviam lágrimas no seu rosto, de fúria, de vergonha, de rancor do pai. E uma dessas lágrimas atravessou tempo e espaço e foi brotar no rosto de outro pai, em uma cama longe dali.
Esse pai levantou de um pulo, sobressaltando pela segunda vez naquela noite a sua mulher. Correu para o quarto do filho, acendeu a luz. O menino choramingava. O pai abaixou-se debaixo da cama e ralhou com alguém que estava lá, mandando ir embora. Depois levantou-se e dirigiu-se para seu quarto. Parou na soleira da porta, virou o rosto para o menino e disse:
- Filho, nunca deixe que ninguém lhe diga que moinhos de vento não são gigantes. Me perdoa, tá? Boa noite.
O menino assentiu e o pai saiu, deixando a luz ligada. O filho enrolou-se nas cobertas com um sorriso no rosto. Agora sabia que monstro nenhum iria lhe perturbar.
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Porra Carlos, tá doido, que texto grande é esse? Eu sei meu povo, mas não posso fazer nada =P (ok, eu posso, mas não quero u.u).
O blog tá meio abandonado, eu e a Feto andamos ocupados mas estamos nos esforçando ao máximo pra que isso aqui não fique parado ^^
Vocês tão assistindo "Capitu"? Espero que sim. Cara, tô amando... *_*
Então... o texto é tão grande que é melhor eu não falar mais nada mesmo =P

Hasta la vitoria siempre o/ (ridículo!)