Era um passarinho com a asa esfolada. Certamente vítima de alguma briga com uma ave mais forte ou um predador ou um menino com estilingue, o maior dos predadores. Condoído, o menino aninhou a pobre ave nas mãos. Era grande, mas tão leve... ao se ver resgatado, ele abriu os olhos devagarinho e tornou a piar. “Temos que cuidar dele, pai”. O homem, que ainda se lembrava de sua época de menino, concordou. Tirou do bolso um lenço, envolveu o passarinho e lá foram os três para casa.
A palestra entre os pais foi grande. “Não temos como cuidar dele, homem! Leva esse bicho pra algum veterinário e deixa ele lá!” “Veterinários são caros, como vou pagar?”. Afinal, a mulher viu que o filho realmente se afeiçoara ao passarinho e que seria uma maldade abandonar o bichinho à mercê de sua própria sorte (que pelo visto não estava sendo das melhores). “Será filhote?” “Acho que não, olha o tamanho dele! Ao contrário, acho que ele está bem velhinho”. “Damos um nome pra ele?”. O menino, porém, não quis; disse que não precisava chamá-lo de nada além de “passarinho”.
Era verdade, porém, que eles não faziam idéia de como cuidar daquele animal. Não comia frutas, sementes e nem a ração que o pai fez esforço pra comprar. A mãe, que nunca guardava rancor e se afeiçoava rápido, ficava com os olhos marejados nas longas conversas que tinha com a ave para que comesse, como se falasse ao filho doente: “Come, senão não fica bom, não vai poder ir brincar lá fora...”. O menino, porém, passava longas horas ao lado do passarinho. Em silêncio. Os pais estranhavam; aquele menino era tudo, menos quieto! Mas tão logo chegava da escola, prostrava-se ao lado do seu passarinho e velava-o. Às vezes lhe dava comida e eram nessas raras vezes que o passarinho comia uma semente, um pequeno naco de goiaba. Mas a asa não dava sinal de movimento e os piados do passarinho eram cada vez mais desgostosos.
Um dia, antes que o menino chegasse da escola, antes que o homem voltasse do trabalho, antes que a mãe terminasse o almoço, o passarinho morreu.
Foi um choque para mãe, que se recusou a acreditar. Cutucava a avezinha, tentava levanta-la, falava com ela, inutilmente. Ligou para o pai (ela realmente se afeiçoara pelo passarinho, vejam vocês!) que se apressasse na volta para casa - ele chegava antes do filho, mas não custava prevenir. Os dois juntos pensaram sobre o que deveriam fazer e decidiram enrolar o pássaro num lindo pano de cetim azul claro, da cor do céu, e esperar o filho para sepultá-lo.
Quando o menino chegou em casa e lhe contaram o ocorrido, novo choque: o menino sorriu. Foi com os pais cavar uma covinha no quintal, ao pé de uma velha jabuticabeira, e lá eles enterraram o passarinho com todas as honras fúnebres. Terminados os ritos, o menino saiu e foi brincar na rua, como fazia todas as tardes.
Nos dias que se seguiram, os pais o observavam tensos, como se ele fosse uma bomba que a qualquer momento pudesse explodir. Mas ele vivia como sempre vivera, estudando, brincando e rindo, aquele riso gostoso de criança que sempre tivera. A mãe procurava algum vestígio de lágrima em seus olhos e não achava; o pai procurava um vestígio de soluço em suas palavras, mas era inútil. “Estou preocupada”, disse a mãe. “Bom, suponho que seja melhor do que se ele estivesse se debulhando em lágrimas, não?”, rebateu o pai. “Sim, mas ele gostava tanto do passarinho... isso não é... não é normal!”.
Para trazer sossego à esposa (e a si próprio, embora não admitisse), o pai procurou o menino. Estava brincando na rua, como f azia todas as tardes. Chamou-o.
- Filho, vocês está bem?
O menino pareceu estranhar a pergunta:
- Sim, estou, por quê?
- Bom – começou o homem, desconcertado – o passarinho morreu...
- É, eu sei...
- E você não fica triste? – disparou a mãe, sem conseguir se conter – Não sente pena dele?
O menino desatou a rir.
- Pena dele? Por quê? Agora finalmente ele pode voar!
E foi correndo brincar, ainda rindo da bobeira dos adultos.