História de asa quebrada


Para Amália Costa Abreu


Baixo, rouco, cansado. Mas inconfundivelmente um gemido. O menino virou a cabeça em todas as direções. “Ta ouvindo isso, pai?”. O pai assentiu e procurou também a origem do som. Encontrou-a, caída, atrás de um poste.
Era um passarinho com a asa esfolada. Certamente vítima de alguma briga com uma ave mais forte ou um predador ou um menino com estilingue, o maior dos predadores. Condoído, o menino aninhou a pobre ave nas mãos. Era grande, mas tão leve... ao se ver resgatado, ele abriu os olhos devagarinho e tornou a piar. “Temos que cuidar dele, pai”. O homem, que ainda se lembrava de sua época de menino, concordou. Tirou do bolso um lenço, envolveu o passarinho e lá foram os três para casa.
A palestra entre os pais foi grande. “Não temos como cuidar dele, homem! Leva esse bicho pra algum veterinário e deixa ele lá!” “Veterinários são caros, como vou pagar?”. Afinal, a mulher viu que o filho realmente se afeiçoara ao passarinho e que seria uma maldade abandonar o bichinho à mercê de sua própria sorte (que pelo visto não estava sendo das melhores). “Será filhote?” “Acho que não, olha o tamanho dele! Ao contrário, acho que ele está bem velhinho”. “Damos um nome pra ele?”. O menino, porém, não quis; disse que não precisava chamá-lo de nada além de “passarinho”.
Era verdade, porém, que eles não faziam idéia de como cuidar daquele animal. Não comia frutas, sementes e nem a ração que o pai fez esforço pra comprar. A mãe, que nunca guardava rancor e se afeiçoava rápido, ficava com os olhos marejados nas longas conversas que tinha com a ave para que comesse, como se falasse ao filho doente: “Come, senão não fica bom, não vai poder ir brincar lá fora...”. O menino, porém, passava longas horas ao lado do passarinho. Em silêncio. Os pais estranhavam; aquele menino era tudo, menos quieto! Mas tão logo chegava da escola, prostrava-se ao lado do seu passarinho e velava-o. Às vezes lhe dava comida e eram nessas raras vezes que o passarinho comia uma semente, um pequeno naco de goiaba. Mas a asa não dava sinal de movimento e os piados do passarinho eram cada vez mais desgostosos.
Um dia, antes que o menino chegasse da escola, antes que o homem voltasse do trabalho, antes que a mãe terminasse o almoço, o passarinho morreu.
Foi um choque para mãe, que se recusou a acreditar. Cutucava a avezinha, tentava levanta-la, falava com ela, inutilmente. Ligou para o pai (ela realmente se afeiçoara pelo passarinho, vejam vocês!) que se apressasse na volta para casa - ele chegava antes do filho, mas não custava prevenir. Os dois juntos pensaram sobre o que deveriam fazer e decidiram enrolar o pássaro num lindo pano de cetim azul claro, da cor do céu, e esperar o filho para sepultá-lo.
Quando o menino chegou em casa e lhe contaram o ocorrido, novo choque: o menino sorriu. Foi com os pais cavar uma covinha no quintal, ao pé de uma velha jabuticabeira, e lá eles enterraram o passarinho com todas as honras fúnebres. Terminados os ritos, o menino saiu e foi brincar na rua, como fazia todas as tardes.
Nos dias que se seguiram, os pais o observavam tensos, como se ele fosse uma bomba que a qualquer momento pudesse explodir. Mas ele vivia como sempre vivera, estudando, brincando e rindo, aquele riso gostoso de criança que sempre tivera. A mãe procurava algum vestígio de lágrima em seus olhos e não achava; o pai procurava um vestígio de soluço em suas palavras, mas era inútil. “Estou preocupada”, disse a mãe. “Bom, suponho que seja melhor do que se ele estivesse se debulhando em lágrimas, não?”, rebateu o pai. “Sim, mas ele gostava tanto do passarinho... isso não é... não é normal!”.
Para trazer sossego à esposa (e a si próprio, embora não admitisse), o pai procurou o menino. Estava brincando na rua, como f azia todas as tardes. Chamou-o.
- Filho, vocês está bem?
O menino pareceu estranhar a pergunta:
- Sim, estou, por quê?
- Bom – começou o homem, desconcertado – o passarinho morreu...
- É, eu sei...
- E você não fica triste? – disparou a mãe, sem conseguir se conter – Não sente pena dele?
O menino desatou a rir.
- Pena dele? Por quê? Agora finalmente ele pode voar!
E foi correndo brincar, ainda rindo da bobeira dos adultos.

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Eu fiz esse texto para minha avó. Ela morreu no dia 18 de outubro desse ano. Se você está descobrindo isso agora, mesmo sendo meu amigo, não se espante; só agora estou falando disso. Talvez porque eu tenha escutado demais Marisa cantar "a dor é minha, não é de mais ninguém" (bobagem, nossa dor nunca é só nossa). Talvez porque falar nisso me faça reviver toda a tristeza de novo. Não importa, só estou dizendo isso para lhes dar um conselho.

Se alguém lembrar de um texto chamado "Doce" que fiz há pouco tempo, sabe que é a história de um neto e uma avó que estava em estado terminal. Embora minha avó tenha ido pro hospital pouco depois e eu tenha me inspirado em minhas experiências com ela, não foi pra ela que eu fiz o texto, porque eu sequer sabia que ela ia mal naquela época. Mas a minha história é parecida. Eu ainda sou muito egoísta, mas eu era uma criança ainda mais egoísta e ainda por cima, um coraçãozinho de pedra. Nada me comovia e eu tinha uma dificuldade grande em demonstrar carinho. Quando eu fui crescendo e percebi a importância desses gestos, minha avó já perdera a lucidez e a memória dela estancou em uma época em que eu nem havia nascido. Ela morreu sem jamais escutar um "eu te amo" dos meus lábios.

Vocês já devem ter lido ou ouvido milhões de vezes que é importante dizer às pessoas que amamos o quanto elas nos são caras. Pois eu venho dizer de novo. Já deixei muita gente embaraçada e constrangida com essa minha mania de demonstrar meus sentimentos com tanta franqueza, mas aí está o motivo pra isso. Essa lição eu já aprendi. Por isso, crianças, não deixem de dizer que amam e se não puderem dizer, demonstrem (mas lembrem-se que nossos gestos nem sempre dizem o que achamos que dizem).

Essa história agora foi pra minha avó e, se ela puder ler isso aqui, que saiba o quanto eu a amo. É assim que eu quero imaginar: um passarinho que não podia voar com o fardo pesado que carregava, mas que agora está livre pra voar na imensidão azul.

O furto

Deixou escapar um riso quando avistou aquele ser desengonçado adentrar a sala como um bichinho assustado. Tentava passar no meio da multidão de alunos, agitados com a volta as aulas, esbarrou em umas três pessoas ate conseguir chegar a uma carteira vazia na qual jogou desajeitada as coisas que segurava. A pilha de livros pendeu pra um lado e antes que estes viessem ao chão ele estendeu os braços e os segurou. Ao vê-lo com seu material nas mãos perguntou imediatamente o que diabos ele estava fazendo. Pensei que isso fosse uma escola, aqui as pessoas não deveriam roubar os outros, seu delinqüente! Como é? Você é louca? Eu só... Não quero saber, devolve meus livros aqui, agora! E saiu lutando novamente contra a multidão ate o outro lado da sala.

Passou o resto do ano evitando a presença da “esquisita”, como os outros costumavam chamá-la. Ele não gostava desse apelido. Achava-a engraçada e ate estranha, mas era irritante ouvir o tom com o qual a chamavam. No entanto, assim como os outros não ousava chegar perto. Cada vez que seus olhares se encontravam aqueles olhos escuros transformavam-se em metralhadoras e ele se afastava. Ela o detestava, ele só não entendia o porquê. Mas também não tinha motivos para se importar, ele tinha amigos e não era chamado de esquisito por ai.

Tinha amigos e um par para a formatura, a mais desejada da escola, diga-se de passagem. Enquanto ela, ela nem ia para festa. E era por isso que chorava encolhida no canto do banheiro vazio. Tudo vazio. Tão vazio que o eco levou aos ouvidos dele o som dos soluços dela. Ao perceber que o delinqüente estava em pé na sua frente, vendo seu momento vergonhoso de fraqueza tratou de se levantar e fechar a cara o mais rápido que pôde. Era sua única forma de defesa contra aquela sensação estranha que formigava no peito cada vez que ele a olhava. Mas dessa vez ele não baixou os olhos, nem se afastou, continuou encarando-a com um olhar diferente do habitual. Não sorria debochadamente como todos, nem sentia pena, nem nada. Simplesmente estendeu a mão: Vem comigo, prometo que dessa vez não vou roubar nada.

A festa não tinha mais tanta importância assim. E o seu par já não era tão desejado como antes. Afinal, chegou a hora de viverem o que o medo, há tempos, lhes roubara.

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Meus Deus vocês não sabem como foi dificil escolher essa imagem. Na verdade nem achei a imagem que eu queria...mas tudo bem. Acho que o aroma do café me embebedou e entrei na onda do romance romântico =)

Bjao pessoas!

Epifania em uma bala de café




O som daquela embalagem abrindo geralmente era irritante mas naquele momento a alegrava. Em outros tempos, com as mãos mais firmes, ela tivera grandes dificuldades para romper aquele invólucro mas agora, sentindo as mãos fracas e trêmulas, alcançara o intento facilmente. Ainda lembrava das risadas das amigas quando ela deixava a bala cair – e isso sempre acontecia, tanto que nunca comprava apenas uma. E era obrigada a entregar, derrotada, a segunda bala para que uma das meninas abrisse, com os olhos úmidos de riso. Naquele quarto, não havia ninguém que pudesse ver o sucesso dela. Mesmo quando estava cercada de gente, todos tinham uma cegueira inexplicável para os seus sucessos, enquanto os fracassos pareciam iluminados por holofotes. Mas ela estava divagando. Naquela hora, naquele quarto, só o cheiro de café era real.
Não era incrível que uma bala tão pequena conseguisse exalar seu aroma tão fortemente por todo o cômodo? Ou seria o seu olfato que estava mais apurado? Ela sentia que todos os seus sentidos estavam se aguçando naquele instante e, mesmo com a visão turva, via tudo mais claramente do que em toda a sua vida.
Via que era estúpida. Que entregara seu amor à quem não o merecia. Como em um filme, via a si própria como escrava da mãe, brinquedo do pai e capacho das colegas de escola. Ela que sempre andara tão longe da felicidade, acostumara-se àquela vida como se fosse o mais próximo que pudesse chegar de ser feliz. Até conhecê-lo.
Não queria admitir nem para si mesma, mas era por causa dele que estava ali. Ele trouxera novamente esperança pro seu espírito e ela descobriu uma felicidade viciante e embriagante como aguardente. Ela sentia tanta falta daquela bebida, aquela bebida que só os lábios dele, o peito dele, os braços dele poderiam lhe dar. Ir para casa era uma tortura. Um choque de realidade. Alice abandonando o país das maravilhas.
Naquela manhã, poucas horas antes, porém, o país das maravilhas desmoronara. Chegando mais cedo à escola ela vira o seu amado falando debochadamente em um grupo de amigos:
-... Mania de chupar bala de café! Se ela soubesse como odeio aquele bafo nojento! Só vou ficar com ela até ela fazer o trabalho de história pra mim e aí tchau! Também não suporto mais que isso...
E o paraíso pereceu nas chamas do inferno.
E o inferno era amargo como café, mas sem a doçura da bala. E aquela bala de café era o epitáfio daquela que ela acreditava ser a sua última chance de ser feliz. A única vez em que foi tratado com gentileza, que se sentiu amada. A não ser...
Sim, naquele momento em que sua visão turva via claramente ela lembrava de algo no meio da dor, da raiva e da vergonha. Não era aquele menino que ouvia a declaração do seu ex-amor? O que ele dissera?
“Pois eu adoro o gosto de café”.
Sim! Que tola era fora! Havia ainda uma chance de ser feliz! Agora tudo estava claro! Deixara o amor escapar, mas não o faria de novo. Haveria tempo ainda? Claro que sim. Para o verdadeiro amor sempre havia tempo, ela lera uma vez.
(Mas realmente não havia mais tempo. A sua turva visão se escurecia. E o sangue que escorria dos seus pulsos se avolumava em poças, sob a embalagem da última bala de café).




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A respeito da "demora": desculpem. A respeito do texto: idem. E também, blargh, voltei aos textos melosos XP. A respeito da Feira do Livro: muito legal, mas eu tô liso. De novo o/




huahuahauhaua




Hasta la vista, baby!


(porra, essa foi a pior =P)


PS: CARA, como vocês fazem pra achar imagens legais (Márcia e todos os blogueiros que lêem isso aqui)? Olha que coisa triste essa imagem aí do texto! Eu definitivamente não sirvo pra fazer marketing XP
PPS: Melhorou agora, Alanna? =D

PPPS: O acento de "lêem" foi abolido, né? T.T

Madura inocência

Onde está o encanto? A mágica com sua irrealidade tão autêntica? As bonecas com suas historias irradiantes, os amigos imaginários e a minha incessante vontade de correr? Onde estão minhas pernas e a força com a qual sustentavam minha alma carregada de alucinações? Onde está o ser tolo e infantil?

Queria de volta minha inconseqüência tão perigosa, meu excesso de coragem. Minha inocência ignorante e cômoda. Queria aprender a desaprender o que me detém. Queria cair e me machucar, machucar a todos e não me arrepender. Queria não conhecer o arrependimento, esquecer lembranças indesejadas e não ouvir os gritos do meu inconsciente que insiste em relembrá-las. Queria reencontrar a confortável ilusão de felicidade plena, a cada instante. Deixar de olhar no futuro o buraco da derrota. Seria bom deixar de olhar para o futuro, não pensar no passado ou ainda melhor, não ter um passado. Queria não precisar vencer, não precisando lutar. Voltar a viver os dias como se fossem o únicos, mesmo sem perceber que eles realmente o são.

Preciso impedir amadurecimentos, para que endurecer nossas almas? Preciso abrandar valores, desmerecer conceitos, vangloriar devaneios. A imaginação atrofiada carece de estima. É preciso a fuga dessa limitação para o reencontro do ser tolo e infantil, que zombador escondeu-se em algum lugar.
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A tarde de hoje tá tão bonita. Sem la ta todo mundo domindo, so o barulhinho dos meus vizinhos pulando na piscina, devem ter umas tres crianças aqui na casa ao lado. Ai lembrei desse texto que eu fiz ja faz um tempo, foi antes de eu encarar as mudanças com mais naturalidade. Agora acho que ja deu pra conciliar transformações externas e algumas verdades imutaveis daqui dentro.

Beijos a todos =)
Márcia.