O homem que ouvia

O Sr. José chegou em casa e ouviu todas as coisas sussurrando.
No mesmo instante, milhares de clichês surgiram em sua mente e ele os foi descartando um a um. Não estava doente, não tivera um dia cheio de trabalho, não sentia fome, cansaço ou sono nem muito menos bebera demais – de fato, sequer havia bebido. Mas os sussurros ainda persistiam, ainda que ele dissesse a si mesmo (ou será que dizia a eles?) que era cético, que sua mente lhe pregava uma peça – embora até aquele momento ela nunca tivesse mostrado predisposição para tais bobagens.
Rapidamente, o medo que deu lugar à incredulidade cedeu vez à impaciência. Por quanto tempo mais continuaria a ouvir aquelas vozinhas ininteligíveis, mesmo convencido de que não existiam? Que fazer numa situação daquelas? Lentamente dessa vez, o Sr. José de impaciente foi ficando curioso. Que será que diziam os sussurros? Sentou-se então num banco de sua sala-cozinha, mal se atrevendo a respirar, na esperança de entender as vozes – que, é claro, eram produtos da sua até então infértil imaginação.
Então ele ouviu as coisas... e as coisas lhe contavam tudo sobre elas próprias.
O Sr, José descobriu estarrecido que havia beleza na água do copo e na fruteira; no tapete macio e nos azulejos da parede; na geladeira e no fogão elétrico; havia beleza nas cebolas, nos tomates e nas batatas. Ele soube dos guinchos de protesto da panela de pressão, das lágrimas das cebolas e dos maracujás rabugentos, que viviam de cara fechada.
O Sr. José ouviu tudo e tapou os ouvidos porque decididamente perdera o juízo.
Tomou um banho às pressas, enfiou-se no pijama e deitou-se. Uma noite de sono e esqueceria tudo aquilo. Mas... como dormir? Como ignorar tudo o que agora sabia? Como conseguiria dormir com todos os sussurros ecoando por cada neurônio seu? E, maldição, as coisas do seu quarto começavam a falar também. Não havia alternativa.
Pegou uma caneta e arrancou uma folha de um velho caderno. Escreveu febril, a mão trêmula, mas consciente de que aquilo era necessário. Mais de uma hora depois, largou a caneta sobre a folha e voltou para a cama. O rosto, tranqüilo. As coisas, quietas.
Não apenas ficara louco: ficara poeta.






Mais um pra série 'textos toscos e sem-noção de Carlos'. Só uma coisinha leve que eu escrevi outro dia =] Aí como tava sem nada pra postar e o blog não pode ficar abandonado resolvi postar. A propósito, o Casulo estava abandonado porque minha net não tava prestando, voltou hoje! \o/ Então vou tentar escrever mais e postar mais. ^^ Falou, pessoar.